“Boa Vista, 20 de março de 1931.
O rio Tapajós é majestoso, com suas margens bordadas
de terras firmes, suas ilhas verdejantes e sua água cristalina.
Porque esta parte da Amazônia parece a mais velha,
os rios já estão formados, o que observa no caso das terras firmes. Nos rios em
formação, como os do Acre, não se encontram terras firmes confrontando-se, nas
margens dos rios. Quando uma margem é alta, a outra é baixa. Aqui não, há
margens altas correspondentes.
Outra experiência é a limpidez das águas. O rio
Tapajós, quer de seca, quer de cheia, tem sempre as águas claras. É que não há
desmonte de terra, quebra de barrancos, isto é, o leito é imutável, está
completamente formado.
Viajando-se pelo rio Tapajós tem-se, de longe, a
impressão de que se está em Amazonas de águas claras e transparentes, tal a
largura que apresenta. Mas é de pouca profundidade, o que torna difícil a
navegação principalmente na estação seca.
Depois de dezoito horas de navegação regular,
chega-se a Boa Vista, sede da “Companhia Ford Industrial do Brasil”, que o povo
já batizou por Fordlândia.
A primeira impressão que se tem, tendo-se
atravessado, vindo de Manaus ou de Belém, zonas sem vida, mortas ou quase pela
eterna crise que comprime a Amazônia há anos, é que se está em um país
estranho.
De longe, se de dia, vê-se autos, caminhões,
tratores, num movimento ininterrupto; operários, trabalhadores, num vai e vem
frenético, apressado, contínuo.
Ouve-se o arfar da usina colossal que produz
energia elétrica para movimentar a serraria monstruosa que recebe os toros como
vem da mata e o devolve em tábuas, pranchas, pranchões, pinos, vigas, tudo já
aparelhado e pronto para o emprego imediato, saindo já nas dimensões das obras
que se tem em vista construir; que impulsiona uma bomba enorme que aspira água
do Tapajós e a remete para um filtro colosso, pois a água consumida em Boa
Vista é preparada sobre todas as regras de higiene; e, finalmente, que produz
luz esplendida que ilumina dois povoados durante toda a noite.
Boa Vista tem o solo acidentado, compondo-se de
diversas colinas, que estão ligadas por pontes de madeiras sólidas.
Na primeira colina estão as instalações da
gerência; armazém, escritório, usina, garagens, galpões para depósito de
material, almoxarifado.
O porto é servido por um trapiche de madeira
solidamente construído, tendo guindastes, rails para vagões e tem largura
suficiente para dois caminhões.
Na baixa, entre as duas colinas, logo adiante da
ponte, estão os barracões para o pessoal, de mais ou menos vinte metros por
dez, refeitório e dormitório.
Em seguida, já na outra colina, começa a Vila
Operária, que se compõe, por enquanto, de umas trezentas casas de madeira,
cobertas de uma telha de papelão (negra), onde só residem famílias do pessoal
empregado na Companhia. Na terceira colina, por trás dessas duas, estão as
instalações hospitalares e residência do corpo médico (três) e dos enfermeiros.
Meticuloso como é o Ford, pode-se imaginar da
perfeição de tais instalações.
As residências do pessoal, diretor e técnico, é de
todo o conforto, completamente teladas, dando a impressão de que se reside em
uma gaiola.
Escusado é dizer que por toda parte há luz e água
canalizada.
As plantações de seringa já abrangem 1.200
hectares, devendo a Companhia plantar mais 600 este ano, findando assim o seu
compromisso com o Estado do Pará.
Os serviços foram interrompidos pela estúpida e
incompreensiva revolta do pessoal em dias de Dezembro, que fez depredações e
estragos arrebentando a louça e vidros de máquinas, pondo à água caminhões e
outras selvagerias, tudo por questões que poderiam ser resolvidas por uma greve
pacífica.
Vão recomeçar agora as construções da Vila
Operária, tendo a Companhia projetado uma cidade que virá dar vida a esta zona
fertilíssima do Pará.
Uma estrada de ferro de um metro e 44 de bitola,
penetra a propriedade da Companhia , tendo já 7 (sete) quilômetros de linha,
sendo pensamento da gerência leva-la até Santarém, por um lado e por outro
penetrar esta zona, facilitando o transporte e o intercâmbio comercial.
O que não é muito bom é que para ser admitido na
Companhia passa-se por uma inspeção médica rigorosíssima, por insignificante
que seja, é motivo para ser dado como inapto para trabalhar no domínio do Ford.
Benedito Belém”.
NOTA:
Publicado no Jornal A Reforma de 14 de abril de 1931. O autor era engenheiro e
geógrafo, a serviço no rio Tapajós. Boa Vista é o nome oficial do lugar onde se
localiza Fordlândia. Infelizmente, em frente de Fordlândia, o rio Tapajós não
tem mais uma água cristalina como descrita na carta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário