quarta-feira, 24 de junho de 2020

CENTENÁRIO DE RUY BARATA: Poema didático


És.
E enquanto a solidão se faz palavra
No silêncio da creche a luz se apaga
E te tornas visível no poema.

Fiel ao que ocultaste
Morrerás sem resposta
E o que chamaste céu
E afagaste no catre
Desdobra-se em padrões
De tédio e fome.

Inútil repetir o comer e o dormir.
Dentro de ti
Fora de ti
Em qualquer parte de tua vida asséptica
E negada ao sargaço
Há um dardo de sol dourando a espada
Um ser astuto que difunde a revolta
Explode em mocidade e quer cantar.

A isto chamarás permanecer
Durar
E até mesmo inefável
Ou talvez madrugada punitiva
Que gera a violência
E prega o amar.

Que restou do perfil
Comprometido pela sombra do musgo?
Do vazio que atrelaste
Ao relógio-pulseira?
Da memória infiel
Que afogaste no álcool?

Tens quinze anos agora
E o gozo de criar
Em hora imprópria
E data não precisa
Juntando sal e terra ao diagrama
No digrama ser e não cantar.

Não cantar e não ser embora claro
E nítido à canção que se desenha
No silêncio marcado pela chaga.

Teme pois esta egressa juventude
Que te faz marcial e prenuncia
O látego do tempo flagelando
O instante que roubaste à poesia.

NOTA: Poesia publicada no jornal “O Liberal” de 14 de maio de 1989.

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