domingo, 21 de junho de 2020

Dez notas históricas sobre a educação em Santarém


Por Pe. Sidney Augusto Canto

01. Educação antes da chegada dos colonizadores
Os primeiros registros sobre a educação na foz do rio Tapajós foram feitos pelos colonizadores. Trata-se do modo como os indígenas ensinavam, de forma oral e prática, a sua cultura: suas crenças, suas lendas, seus filhos a pescar, cultivar o solo, produzir louças de barro, pintar cuias, e fazer os famosos artefatos de palha que eram trocados com os colonizadores por facas, machados, anzóis e outros utensílios até então desconhecidos por aqueles povos.


02. A educação feita pelos missionários
Com a chegada dos missionários jesuítas, a educação passou a ser ministrada por estes religiosos. O foco estava, principalmente, em educar as crianças indígenas na fé católica e também em artes de escultura e música. A educação estava à serviço do saber religioso cristão ocidental. Quase ao final do período Missionário, a então Missão de Nossa Senhora da Conceição ganhou o favor do rei Dom Pedro II (de Portugal) para que nela fosse edificada um Colégio. Ele existiu ao lado da antiga Capela, mais ou menos onde hoje está a Praça Rodrigues dos Santos. De suas varandas, o Bispo do Pará, Dom Frei João de São José, recolheu diversos ditados escritos em Latim, que nos chegaram até os dias de hoje.

03. Educando na própria casa
Depois da expulsão dos Jesuítas, a educação era feita em casa. Os professores eram os pais, que ensinavam a seus filhos os ensinamentos rudimentares da língua, da escrita, da matemática. Pessoas mais abastadas, filhos dos proprietários de fazendas de cacau, que dispunham de recursos, podiam mandar seus filhos estudarem na Cidade do Pará (Belém) ou no Reino (Lisboa e Coimbra), onde se formavam e, raramente, voltavam ao seu torrão natal. Nesse período, criou-se o estranho costume de que os filhos deviam ser preparados não para irem para a Escola, mas para cuidarem dos afazeres da produção dos sítios e fazendas da região.

04. O primeiro professor e a primeira escola
Somente em 1830, a então Vila de Santarém teria o seu primeiro Professor, na pessoa do padre santareno Raimundo José Auzier. O mesmo assumiu a educação da cadeira de Latim, subsidiado pelo governo da Província do Pará. Logo depois foi implantada uma Escola de Primeiras Letras, que funcionava na casa do próprio professor. Nestes tempos, as aulas eram somente para os meninos, muitos deles filhos de comerciantes locais e de componentes das elites políticas da Vila que não tinham condições de manter um filho nas escolas da capital, mas que agora podiam mantê-los na Escola da Vila. Escravos negros, indígenas, e pobres raramente tinham acesso à escola. Com a eclosão do Movimento da Cabanagem, em 1835, a educação, em Santarém, ficaria com suas atividades suspensas, até o final da revolta, no ano 1840.

05. A situação da educação pós-cabanagem
Muitos governantes da Província do Pará reconheciam que a “falta de educação” poderia levar a uma situação em que a “ignorância” levaria à eclosão de uma nova revolta entre o povo. A educação dos mais pobres entrou em pauta em muitos discursos. As escolas públicas, entretanto, estavam longe de dar aos mais pobres as condições necessárias para que pudessem suprir as necessidades de que a cidade dispunha. Um dos fatores era a dificuldade de o interior possuir bons professores. Para ilustrar essa situação, transcrevemos um texto de Paulo Rodrigues dos Santos escrito no jornal “A Cidade”, de 01 de setembro de 1923: “Em 1844, Santarém tinha uma única escola, com 32 alunos, e Alenquer outra com 20. Ao Presidente da Província informava a Câmara em 12 de janeiro desse ano “que a conduta civil do professor de Santarém era boa e a do de Alenquer podia passar por isso, mas a moral de ambos era escandalosa e repreensível””. Vale ressaltar que, naquela época, Alenquer pertencia ao município de Santarém. Entre as mais comuns denúncias contra os professores, além das atitudes morais supracitadas, estavam a de abandono do emprego, a de não darem suas aulas, a de não possuírem “condições” de ensinar por “não saberem o conteúdo”, a de maus tratos aos alunos e, infelizmente, até mesmo a de reduzirem os alunos à condição de escravidão.

06. A contribuição da educação nos primeiros anos de Santarém como cidade
Em 24 de outubro de 1848, a Vila de Santarém é elevada à condição de cidade. Naquela época, e na década seguinte, a educação muito contribuiu para os melhoramentos que a sociedade esperava. Havia, além da Escola Elementar de Primeiras Letras, uma Cadeira de Gramática Latina. O professor de latim, além da educação própria de sua cadeira, também lecionava música. Santarém possuía uma banda de Música e um Coral. Em 1851, o professor Gaspar José de Mattos Ferreira de Lucena recebia a gratificação de 32$000 (trinta e dois mil réis) do Governo da Província para lecionar música vocal e instrumental para os mais de 40 alunos que frequentavam suas aulas na Escola do Município de Santarém.

07. O primeiro Colégio e as interferências políticas
Em fins da década de 1860, o governo da Província incentivou a criação de Colégios que, regidos pela iniciativa privada, eram subsidiados pelo dinheiro que emanavam dos cofres públicos. Foi assim que surgiu o Colégio Nossa Senhora da Conceição. A princípio dirigido pelo Cônego Antônio Feliciano de Souza, depois pelo Tenente Coronel Joaquim Rodrigues dos Santos e, por fim pelo professor Carlos Seidl. O Colégio tinha tudo para ser um estabelecimento modelo para a educação na cidade de Santarém. Entretanto, os conflitos políticos entre os dois partidos existentes que dominavam o cenário político da época (Conservador e Liberal), interferiam no bem caminhar do Colégio. As disputas políticas entre as ideologias dos dois partidos acabavam por interferir na boa administração do Colégio. Além disso, atrasos frequentes nos repasses das verbas públicas sempre dificultavam o bom funcionamento do Colégio. Por fim, o mesmo veio a fechar suas portas e Santarém iria esperar até que, a fundação do Grupo Escolar viesse a dar novos rumos para a educação pública no município.

08. O desejo de se construir o prédio da primeira escola pública
Poucas pessoas talvez saibam, mas, apesar de Santarém possuir uma escola Pública desde 1830, passariam cem anos para um prédio fosse construído para, de fato, abrigar uma escola pública na cidade (o prédio do “Grupo Escolar”, hoje Frei Ambrósio). Antes disso, as Escolas Públicas funcionavam nas casas dos professores ou em outros prédios cujos aluguéis eram pagos pelo Governo Estadual ou Municipal. Entretanto, em 15 de março de 1871, quando de sua passagem por Santarém, o dr. Joaquim Pires Machado Portela, sugeriu que se desse início à construção de um prédio que pudesse abrigar as aulas de instrução primária de ambos os sexos. Saindo para Óbidos, o juiz de direito da Comarca, dr. Abel Graça, abraçou a causa e saiu a fazer uma subscrição arrecadando a quantia de 7:000$000 (sete contos de réis) em apenas um dia. Quando o dr. Joaquim Portela desembarcou em Santarém, retornando de Óbidos, no dia 20 do mesmo mês. Foi acolhido festivamente pela banda de música local e demais autoridades e foi conduzido até a Praça da Imperatriz (atual Praça Rodrigues dos Santos) onde, às 9 horas da manhã desse dia, assentava a pedra fundamental do que poderia ser a tão sonhada escola do município (curiosamente, no mesmo local onde antes funcionou o Colégio dos Jesuítas). Infelizmente, apesar da boa vontade de alguns, novamente as tensões políticas e disputas internas acabaram por adiar esse sonho por quase sessenta anos.

09. As dificuldades do final do Império
No ano de 1882 a situação da educação no interior do município não era das melhores. Haviam, além das escolas públicas de primeiras letras da cidade, havia as escolas elementares de Alter do Chão, Arapixuna, Aritapera, Tapará e Arumanduba, quase todas regidas por professores que se mostravam inábeis e com inaptidão para o magistério. Na cidade, a Escola Elementar do sexo feminino do Bairro da Aldeia (onde moravam a maioria dos descendentes indígenas) vivia uma situação inusitada: desde 1878 estava deslocada do bairro onde devia funcionar. Sua professora provisória, d. Felismina da Cunha Gomes, havia removido a Escola da Aldeia para o Centro da Cidade, privando as alunas pobres da Aldeia de uma escola mais próxima. A professora fazia a Escola funcionar nos fundos da casa de seu pai, no mesmo local onde também funcionava uma taberna, donde a Escola era um apêndice, devendo as alunas entrarem para a aula acessando a taberna e sob olhar dos seus frequentadores.

10. O papel da Igreja na Educação
Apesar de já termos citado que o primeiro professor público de Santarém tenha sido um padre, bem como o fundador do primeiro Colégio, não podemos terminar este decálogo sem destacar a importância que teve a Igreja Católica, principalmente após a criação da Prelazia de Santarém. Um prelado tem destaque: Dom Amando Bahlmann. Entre suas prioridades, além da fé católica, estavam a Educação e a Saúde do povo santareno. Marco de sua gestão foi a criação de diversas escolas. Para ilustrar, em 1918, foram fundadas a Escola São Francisco (21 de janeiro) com matrícula inicial de 52 alunos pobres; uma outra Escola foi fundada na Prainha (agosto de 1917) que, em 1918 tinha matriculadas 50 crianças, além de outra Escola na Aldeia e da Escola Santa Isabel (que, além de letras também ensinava corte, costura e culinária para meninas). Em 1919, as escolas dirigidas pela Igreja Católica tiveram as seguintes matrículas: Santa Clara, 9 no internato, 43 no externato e 54 no orfanato; São Francisco, 57; São José (planalto), 78; São Raimundo (Aldeia) 82; Santa Isabel, 65 e Menino Jesus (Prainha) com 50 crianças matriculadas. Para todo esse trabalho, Dom Amando muito contou com a colaboração das Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição, fundada pelo Bispo para auxiliar nos trabalhos da sua Prelazia. É desta congregação o prédio mais antigo em que funciona uma Escola initerruptamente na cidade: o Colégio Santa Clara, que continua no mesmo prédio desde sua construção em 1915 (vale dizer que, a Escola Frei Ambrósio, apesar de ser o antigo “Grupo Escolar” mais antigo que o “Santa Clara”, só ocupou o prédio atual na década de 1930). O “Santa Clara” foi responsável, entre outras coisas, pelo primeiro “Curso Normal” que formou diversas professoras que atuaram e dedicaram suas vidas pela educação, a maioria delas em Escolas Públicas, da cidade e do interior. Uma colaboração, sem dúvida, de grande valor para a formação da sociedade santarena que temos na atualidade.


Foto ilustrativa: Colégio Santa Clara na década de 1920. Texto construído com acervo pessoal do autor, acervo do ICBS e acervo da Biblioteca Nacional.

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