“Com a morte do dr. José Veríssimo, ontem
ocorrida no Rio de Janeiro, perde o Brasil uma de suas mais vigorosas
mentalidades e o Pará um filho eminente, que lhe deu prodigamente ao nome inexcedível
lustre.
Neste país, em literatura como em tudo o mais, é,
por vezes, vertiginoso o triunfo incrível da cabotinagem e do charlatanismo. Todos
os processos são utilizáveis pelo cabotino e pelo charlatão para chegar à meta
do seu ideal consagrador. Raros triunfam decisivamente sem escoras, pelo trabalho
sistematizado, pela disciplina da inteligência, pela seleção beneditina e
porfiosa da cultura.
O dr. José Veríssimo foi um desses raros. A sua
vida fica sendo uma lição de direitura moral, um exemplo de elevação, dignidade
e nobreza a todos quantos buscam nos homens de grande relevo numa sociedade
adiantada a inflexível diretriz do caráter como elemento dinâmico na resistência
individual às cômodas capitulações da vida.
O nosso ilustre conterrâneo, exercitando o ramo de
literatura talvez mais melindroso e difícil num país em formação étnica,
através da balburdia de uma raça que ainda longe está de chegar ao período da
meditação e da concepção, que leva ao apuro sociológico, imprimiu, ao feitio de
sua obra, como sugestão do próprio temperamento, um cunho de excepcional
sinceridade, que é o traço palpitante e inconfundível de sua crítica.
Combatido acerbamente pelos que se acreditaram
vítimas da sua análise severa, mas severa sem excessos, sem prevenções, sem
ódios, sem “parti pris”, severa pela linha inquebrável da visão física e do
senso crítico, José Veríssimo desconheceu o temor e o desânimo, e teve o condão
de transmitir os exasperos da represália infundada nos mais profícuos estímulos
da sua forte capacidade regeneradora, que tamanha influência exerceu nas letras
nacionais.
Contista, crítico, pedagogo, lendo, assimilando,
criando, produzindo intensamente, grafando primorosamente o seu idioma, a igual
distância da argucia física de Carlyle, da especialização crítica de Taine,
análise percuciente e dissecante de Brunetiere, o nosso preclaro investigador
de “Estado da Alma” impôs ao Brasil uma concepção nova isenta e serena na forma
e na substância – da verdadeira crítica científica.
Daí o desdobramento fulgurante da sua autoridade
literária, irrefragável em todos os círculos de pensamento e da
intelectualidade brasileira.
Perdido Veríssimo, depois de desaparecidos Araripe
Júnior e Sylvio Romero, o país fica nos que começam, nas esperanças. Infere-se
daí o sentimento de profunda mágoa que todos hão de experimentar com a morte do
polígrafo eminente, com o esfacelamento vital dessa fibra energética, altiva e
austera, orgulho da varonilidade do caráter brasileiro, reconfortante
desvanecimento da cultura nacional.
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Esse homem que teve uma vida pura, alta e sincera,
preenchida pelas virtudes que Plutarco exigia para os seus varões clássicos,
era paraense nascido em Óbidos, a 08 de abril de 1857.
José Veríssimo Dias de Mattos era filho legítimo
do dr. José Veríssimo de Mattos e dona Anna Flora Dias de Mattos, aquele
natural do Rio de Janeiro, esta de Minas Gerais.
Iniciou seus estudos na cidade natal, indo
completa-los no Rio de Janeiro, na antiga Escola Central. Cursou até o segundo
ano de engenharia, interrompendo os estudos por doença, que o trouxe ao Pará.
Aqui serviu por algum tempo nos escritórios da antiga Companhia do Amazonas,
donde saiu atraído pela vida burocrática. Trabalhou como oficial e depois como
chefe de sessão na então Secretaria de Governo, lugar que abandonou para
consagrar-se inteiramente à direção do Colégio Americano, onde relevantíssimos
serviços lhe ficou devendo toda uma geração de estudantes paraenses.
Com o advento da República, que o tivera, na
propaganda, como um adepto esclarecido e convicto, conquanto moderado,
detestando os exageros sectaristas e a vulgaridade da lisonja às paixões
ignaras, aceitou o cargo de Diretor Geral da Instrução Pública para demitir-se
pouco depois, quando tendo ido ao Rio, deliberou aí fixar residência.
Na capital da República os seus merecimentos para
logo o impuseram ao meio. Tornou-se escritor disputado pelas grandes folhas, ao
passo que fazia renascer brilhantemente a “Revista Brasileira”, que dirigiu
durante três anos de fecundos serviços para o espírito brasileiro.
Era membro dos mais ilustres da Academia
Brasileira de Letras, posto que houvesse renunciado à sua cadeira por motivo
que o rigorismo e a intransigência de suas ideias justificavam.
A sua bibliografia é avultada: “Primeiras Páginas”,
“Cenas da Vida Amazônica”, “Estudos de Literatura Brasileira” (04 volumes), “Homens
e coisas do estrangeiro”, “A pesca na Amazônia”, “A educação nacional”, “Relatório
sobre a Instrução Pública no Pará”, “Limites do Pará com o Amazonas”, etc., copiosíssima
colaboração esparsa nas colunas dos jornais cariocas e de diversos Estados.
Deve ter deixado pronta uma monumental “História
da Literatura Brasileira”.
O ESTADO DO PARÁ sentimenta com profunda expressão
de acabrunhamento, a exma. família do inolvidável escritor paraense”.
NOTA:
Publicado no O Estado do Pará de 03 de fevereiro de 1916.
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