"Esta província dos Tapajós é mui grande, e a
primeira aldeia está assentada na boca de um rio caudaloso e grande, que
comumente se chama dos Tapajós.
É a maior aldeia e
povoação que por este distrito conhecemos até agora. Bota de si 60 mil arcos,
quando manda dar guerra, e por ser muita a quantidade de Índios Tapajós, são
temidos dos mais índios e nações e assim se tem feito soberanos daquele
distrito. São corpulentos e mui grandes e fortes. Suas armas são arcos e
flechas, como as dos mais índios destas partes, mas as flechas são ervadas e
venenosas, de modo que até agora se lhe não tem achado contra, e é a causa por
onde os outros índios os temem; porquanto em ferindo com as flechas não há
remédio de vida.
Este rio onde estão
situados estes índios Tapajós é mui caudaloso, e de aprazíveis terras, e
claríssimas águas. Não é de muito peixe: desce do poente, e desagua e mete no
das Amazonas. Está mui povoado de Índios Tapajós, Marautús, Caguanas,
Orurucuzos, e outras muitas nações de que até agora não temos comunicação.
São em extremo
bárbaros e mal intencionados. Tem ídolos pintados em que adoram, e a quem pagam
dízimo das sementeiras, que são de grandes milharadas, e é o seu sustento, que
não usam tanto de mandioca para farinha, como as demais nações.
Estando maduras as
sementeiras, dá cada um a décima, e tudo junto o metem na casa em que tem os
ídolos, dizendo que aquilo é Potaba de
Aura, que na sua língua, é o nome do diabo; e deste milho fazem todas as
semanas quantidade de vinho, e à 5ª feira de noite o levam em grandes vasilhas
a uma eira, que detrás da sua aldeia tem muito limpa e asseada, no qual se
ajuntam todos daquela nação, e com trombetas, e atabaques tristes e funestos,
começam a tocar por espaço de uma hora até que vem um grandíssimo terremoto, que
parece vem derrubando as árvores e os montes, e com ele vem o Diabo e se mete
em um corro, que os índios tem feito para ele, e logo todos com a vinda do
Diabo, começam a bailar e cantar na sua língua, e a beber vinho até que se
acabe, e com isto os traz o Demônio enganados.
Quando morre algum
destes índios, o deitam em uma rede, e lhe põem aos pés todos os bens que
possuía na vida, e na cabeça a figura do Diabo feita a seu modo, lavrada de
agulha como meia, e assim os põem em umas casas que tem feitas só para eles,
aonde estavam a mirrar e a consumir a carne; e os ossos moídos os botam em
vinho, e seus parentes e mais povos o bebem.
De tudo isso tem tirado em parte os R. dos Padres da Companhia de
Jesus, que os vão a doutrinar, de quando em tempo.
Até esta província chegam naus de alto bordo, e por este rio dos
Tapajós vão quatro jornadas a resgatar madeiras, redes, urucum, e pedras
verdes, que os índios chamam buraquitas (baraquitâ, ou mueraquitans), e os
estrangeiros do norte estimam muito; e comumente se diz que estas pedras se
lavram, neste rio dos Tapajós, de um barro verde, que se cria debaixo da água,
e debaixo dela fazem contas redondas e compridas, vasos para beber, assentos,
pássaros, rãs e outras figuras; e, tirando-o feito debaixo d’água, ao ar, se
endurece o tal barro de tal maneira que fica convertido em mui duríssima pedra
verde: e é o melhor contrato destes índios e deles muito estimado.
O clima desta província é quente, de muito boas e alegres terras,
capazes para criar muitos gados, vacum, ovelhas, cabra e gado de cerda. Tem
muitas serras, e pela falda delas e por algumas ilhas que tem este rio e o das
Amazonas, se pode fazer grandes engenhos de açúcar; por quanto as crescentes do
rio frutificam todas aquelas terras, em que os índios fazem suas roças de
milho, e frutas e alguma mandioca. Governam-se estes índios por Principais, em
cada rancho um, com vinte ou trinta casais, e a todos os governa um Principal
grande sobre todos, de quem é muito obedecido.
Dão guerra estes a todos os demais daquele circuito, de quem são
temidos. Tem muitos escravos; outros que vendem aos portugueses por ferramentas
para fazerem suas lavouras, e roças á terra. Este rio era digno de se
descobrir, porquanto mostra ser de muito proveito para estas conquistas”.
NOTA: Mauricio de Heriarte era membro e
contemporâneo de algumas expedições feitas por Pedro Teixeira. Fez esta descrição
no ano de 1662, a mando do Governador Diogo Vaz de Sequeira e aqui transcrita
de: HERIARTE, Maurício de. Descrição do
Estado do Maranhão, Pará, Corupá, e Rio das Amazonas. Viena, Áustria:
Imprensa do filho de Carlos Gerold, 1874.
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