terça-feira, 19 de abril de 2016

Uma descrição da Província dos Tapajós, por Maurício de Heriarte – 1662

"Esta província dos Tapajós é mui grande, e a primeira aldeia está assentada na boca de um rio caudaloso e grande, que comumente se chama dos Tapajós.
É a maior aldeia e povoação que por este distrito conhecemos até agora. Bota de si 60 mil arcos, quando manda dar guerra, e por ser muita a quantidade de Índios Tapajós, são temidos dos mais índios e nações e assim se tem feito soberanos daquele distrito. São corpulentos e mui grandes e fortes. Suas armas são arcos e flechas, como as dos mais índios destas partes, mas as flechas são ervadas e venenosas, de modo que até agora se lhe não tem achado contra, e é a causa por onde os outros índios os temem; porquanto em ferindo com as flechas não há remédio de vida.

Este rio onde estão situados estes índios Tapajós é mui caudaloso, e de aprazíveis terras, e claríssimas águas. Não é de muito peixe: desce do poente, e desagua e mete no das Amazonas. Está mui povoado de Índios Tapajós, Marautús, Caguanas, Orurucuzos, e outras muitas nações de que até agora não temos comunicação.
São em extremo bárbaros e mal intencionados. Tem ídolos pintados em que adoram, e a quem pagam dízimo das sementeiras, que são de grandes milharadas, e é o seu sustento, que não usam tanto de mandioca para farinha, como as demais nações.
Estando maduras as sementeiras, dá cada um a décima, e tudo junto o metem na casa em que tem os ídolos, dizendo que aquilo é Potaba de Aura, que na sua língua, é o nome do diabo; e deste milho fazem todas as semanas quantidade de vinho, e à 5ª feira de noite o levam em grandes vasilhas a uma eira, que detrás da sua aldeia tem muito limpa e asseada, no qual se ajuntam todos daquela nação, e com trombetas, e atabaques tristes e funestos, começam a tocar por espaço de uma hora até que vem um grandíssimo terremoto, que parece vem derrubando as árvores e os montes, e com ele vem o Diabo e se mete em um corro, que os índios tem feito para ele, e logo todos com a vinda do Diabo, começam a bailar e cantar na sua língua, e a beber vinho até que se acabe, e com isto os traz o Demônio enganados.
Quando morre algum destes índios, o deitam em uma rede, e lhe põem aos pés todos os bens que possuía na vida, e na cabeça a figura do Diabo feita a seu modo, lavrada de agulha como meia, e assim os põem em umas casas que tem feitas só para eles, aonde estavam a mirrar e a consumir a carne; e os ossos moídos os botam em vinho, e seus parentes e mais povos o bebem.
De tudo isso tem tirado em parte os R. dos Padres da Companhia de Jesus, que os vão a doutrinar, de quando em tempo.
Até esta província chegam naus de alto bordo, e por este rio dos Tapajós vão quatro jornadas a resgatar madeiras, redes, urucum, e pedras verdes, que os índios chamam buraquitas (baraquitâ, ou mueraquitans), e os estrangeiros do norte estimam muito; e comumente se diz que estas pedras se lavram, neste rio dos Tapajós, de um barro verde, que se cria debaixo da água, e debaixo dela fazem contas redondas e compridas, vasos para beber, assentos, pássaros, rãs e outras figuras; e, tirando-o feito debaixo d’água, ao ar, se endurece o tal barro de tal maneira que fica convertido em mui duríssima pedra verde: e é o melhor contrato destes índios e deles muito estimado.
O clima desta província é quente, de muito boas e alegres terras, capazes para criar muitos gados, vacum, ovelhas, cabra e gado de cerda. Tem muitas serras, e pela falda delas e por algumas ilhas que tem este rio e o das Amazonas, se pode fazer grandes engenhos de açúcar; por quanto as crescentes do rio frutificam todas aquelas terras, em que os índios fazem suas roças de milho, e frutas e alguma mandioca. Governam-se estes índios por Principais, em cada rancho um, com vinte ou trinta casais, e a todos os governa um Principal grande sobre todos, de quem é muito obedecido.
Dão guerra estes a todos os demais daquele circuito, de quem são temidos. Tem muitos escravos; outros que vendem aos portugueses por ferramentas para fazerem suas lavouras, e roças á terra. Este rio era digno de se descobrir, porquanto mostra ser de muito proveito para estas conquistas”.


NOTA: Mauricio de Heriarte era membro e contemporâneo de algumas expedições feitas por Pedro Teixeira. Fez esta descrição no ano de 1662, a mando do Governador Diogo Vaz de Sequeira e aqui transcrita de: HERIARTE, Maurício de. Descrição do Estado do Maranhão, Pará, Corupá, e Rio das Amazonas. Viena, Áustria: Imprensa do filho de Carlos Gerold, 1874.

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