Tem se discutido ultimamente na
imprensa local a projetada ligação de Cuiabá com Santarém, dando oportunidade
de localizar-se com uma ilustre omissão que resolveu patrocinar perante o
governo do Estado o respectivo apoio para esta ideia de ligação desta capital, com
o estado do Pará.
Havendo-me diplomado na Europa por uma
Escola Técnica de Viação e exercendo ha cerca de 20 anos a profissão na maior
parte em estudos rodoviários no Nordeste
Paranaense e aqui em Mato Grosso, por conseguinte semelhante ideia da ligação
de Cuiabá com Santarém tinha de chamar a minha atenção por força da minha
profissão.
E assim submeti o referido projeto de
ligação rodoviária de Cuiabá com a cidade de Santarém, situada na confluência
do rio Tapajós com o Amazonas a uma análise sob vários pontos de vista, e cujo
resultado achei de interesse publico e por esta razão nestas colunas venho
expor ao largo ciclo de seus leitores mais uma opinião sobre a referida
ligação.
Antes de qualquer apreciação a este
respeito, devemos determinar com certa aproximação a distancia entre Cuiabá e
Santarém pelo exame de várias cartas geográficas, existente sobre esta zona,
verificam-se as seguintes distâncias:
Cuiabá-Pto. Caneco: 450 km.
Pto. Caneco-Divisa do Pará: 580 km.
Divisa do Pará-Pto. Itaituba: 780 km.
Pto. Itaituba-Santarém: 340 km.
Cuiabá-Santarém: 2.100 km.
Um pouco para cima do Pto. Itaituba
acha-se situada a Boa Vista, onde está localizada a Fordlandia.
E por conseguinte a projetada estrada
poderá entroncar-se na Fordlândia com a nova estrada desta empresa que esta
construindo para Santarém.
Da mesma forma podemos aproveitar a
estrada aberta pelo Serviço de Proteção aos Índios, que liga esta capital com o
posto Simões Lotus e dirige-se para o futuro posto Pedro Dantas.
Por conseguinte desta enorme distancia
de 2.100 km devemos descontar os trechos das estradas já existentes, sendo:
Cuiabá-ponto terminal da estrada do
posto Pedro Dantas: 430 km.
Fordlãndia-Santarém: 350 km.
Total existente: 780 km.
Trecho por abrir: 1.320 km.
Distancia total: 2.100 km.
Assim, pois, resta-nos abrir num
deserto desconhecido uma bagatela de 1.300 km!
Basta dizer que a abertura desta
estrada tem de proceder-se numa zona de cerca de 1.00 0 km, que até agora
comissão alguma o explorou, e que considera-se como um dos mais impenetráveis
sertões do Brasil inteiro.
E por conseguinte a abertura desta
estrada, mesmo na sua forma mais rustica (boiadeira), exigiria vultosas
importâncias, como ainda maior sacrifícios ,em vida, e que a ilustre comissão
promotora desta ligação, propõe como único
meio de minorar a assustadora crise de miséria, que começa a estender-se
por todo o norte do Estado, e que esta afetiva situação na maior parte é devida
à completa paralização de toda a espécie de trabalhos e melhoramentos públicos,
e cuja paralização efetuou-se com o fim de consertar as finanças do estado,
porém, como se poderá melhorar as rendas do Estado, abandonando quase por
completo as suas vias de comunicações?!.
Porém, voltamos ao assunto da nossa
estrada de ligação do Norte. Suponhamos que se trata de estradas comuns de
altos, de fins comerciais e práticos. Neste caso a projetada estrada deve
possuir os respectivos depósitos de gasolina, carvão vegetal nos casos de
trabalharem com os gasogênios e mais outros recursos indispensáveis em longas
viagens.
Além disso, para facilitar as
comunicações com estes depósitos nos casos de socorros toda esta estrada deve
ser acompanhada de linha telefônica ou telegráfica. E por conseguinte a
abertura dessa estrada só poderá ser efetuada na forma semelhante, como foi
executada a construção da linha telegráfica para o Amazonas pela extinta
condução Rondon.
E o custo desta estrada será nunca
menos de 3-4.000 pontos, e a sua construção levará cerda de 4 a 5 anos.
Naturalmente com este longo prazo
desaparece o primeiro e único ponderável motivo que explica a necessidade de
abertura desta estrada, que é evitar o novo isolamento desta capital no caso de
outro surto revolucionário armado. Pois, é de esperar-se que em tão longo
prazo, o país inteiro já entrará em sua vida constitucional, e há tempo tenha
saído do atual período de lutas revolucionárias. E assim, desaparecendo a
vantagem estratégica, e imediata desta estrada, só resta analisar a sua
utilidade econômica.
Tomando para o nosso calculo a despesa
da gasolina no todo seu percurso de 2.100 km, diárias de chofer com o
respectivo ajudante, despesas de amortização do carro e outros gastos
inevitáveis em tão longa viagem, verificaremos que o frete de uma tonelada de
mercadoria levada de Cuiabá a Santarém custará cerca de 1:600$, e a mercadoria
trazida pela via marítima e fluvial do Rio ou São Paulo para Santarém e daí até
Cuiabá, terá o frete de 1 tonelada de mercadoria pelo custo de mais de dois
contos de réis! Entretanto, a mesma mercadoria trazida do Rio ou São Paulo por
via férrea e fluvial até Cuiabá, pagará um frete de cerca de 500$ a 900$ por
tonelada; ou trazida por via marítima e fluvial pagará um frete de cerca de
400$ a 600$000.
Basta confrontar estes fretes para
verificar que a projetada estrada de Cuiabá a Santarém, do ponto de vista
econômico não dará nenhuma vantagem ao comercio desta praça e por conseguinte a
referida estrada não poderá produzir os esperados efeitos de melhoramento na
vida econômica o norte do estado.
Porém, alguns deste que haviam lido os
últimos artigos do “Mato-Grosso”, em vista do exposto acima, iria estranhar o
motivo porque a 30 anos atrás, já se cogitava desta estrada de ligação de
Cuiabá com Santarém. Pois, é fácil explicar este fato. Por esta época, o norte
do estado, a indústria seringueira
atingia o auge da prosperidade. A borracha, nos portos do Pará, alcançava a
cotação de mais de 200$ por arroba, quer dizer, cerca de 14 pontos por
tonelada! Uma mercadoria desse preço, perfeitamente poderia pagar um frete
ainda mais elevado que fosse.
E depois, pelo rumo do traçado
indicado naquela época para esta estrada, era fácil de perceber, que também
esta destinava-se para a descoberta de novos seringais, e a respectiva ligação
destes com os centros de exportação. E a única tentativa de abertura desta
estrada procedeu-se com este só motivo, como todos os ex-seringueiros sabem
desse fato.
E assim, somente resta a esta estrada
a sua terceira e ultima aplicação viável, como a simples picada de exploração e
penetração, e como uma estrada boiadeira para a construção de tropas, que
queiram algum dia aventurar-se por este enorme sertão.
E por conseguinte, vamos verificar o
custo aproximativo desta estrada boiadeira para podermos julgar da sua
oportunidade. E assim continuando, notamos que o custo desta picada boiadeira
abrange a seguintes posições:
1) Estudos e explorações sobre o
traçado desta picada.
2) Abertura de picadas.
3) Construções de depósitos e
cercados.
4) Fornecimento de víveres.
5) Farmácia e médico.
Como alguns
dos ilustres membros da referida comissão patrocinadora desta estrada,
aventuraram a ideia de completa dispensa dos estudos, para conseguir a maior
economia na abertura desta picada, venho aqui esclarecer que os estudo ou
explorações geográficas e topográficas são absolutamente indispensáveis na
abertura desta picada sob a pena de fracasso desta obra e perda dos dinheiros
gastos, pelos seguintes motivos:
a) A enorme
extensão que esta picada tem de percorrer, obrigará seguidamente a determinar a
sua posição geográfica nos mapas, para a sua devida orientação. E para isto
será necessário proceder o levantamento das picadas exploradas e efetuar as
respectivas observações astronômicas de cada 100 km de percurso aberto.
b) Esta estrada
só é praticável, seguindo pelo espigão divisor das águas entre os rios Xingu e
Tapajós, e só quem traçou as estradas em espigões sabe do grande esforço de
atenção, que se aplica nestes trabalhos, para não se perder, desviando por
algum dos grandes espigões secundários, que formam em certos pontos um
verdadeiro leque.
Julgo quem
estas considerações são suficientes para provar a absoluta necessidade de
prévias explorações e estudos sobre a abertura desta picada na extensão de
cerca de 1.300 km, prosseguindo por pontos certos e determinados pela rede
potomográfica [sic] da zona.
Das
explorações e estudos de alguma rodovia, efetuados neste Estado, verificou-se
que cada quilometro custa na média cerca de 80$, porém para o nosso caso da
picada de Santarém esta média é muito baixa e tem de ser elevada à importância
mínima de 100$ por cada quilometro.
E assim temos:
Explorações e estudos dos 1.300 km a
100$ cada km: 130:000$
Abertura da picada:
Em matas
(40%), cerca de 500 km a 400$ o km: 200:000$
Em cerrados
(60%) cerca de 800 km a 250$ o km: 160:000$
Depósitos e cercados:
Construção de
depósitos com piquetes cercados a cada 60 km. 20 depósitos a 2:000$ cada:
40:000$
Fornecimento de viveres
Tropa de 60
burros a 300$ cada um: 18:000$
Condução de
tropas durante 12 meses de serviço a 2:000$ cada: 24:000$
Comestíveis
para as turmas durante 12 meses (para 150 homens): 108:000$
Farmácia e
médico (12 meses): 30:000$
Total: 760:000$
5% eventuais gastos: 40:000$
Total: 800:000$
Daqui se vê,
que mesmo uma simples picada boiadeira custará uma considerável importância de
800 contos de réis, e por conseguinte a importância de 300 contos de réis que
pretende-se gastar na abertura desta estrada não chegará nem para a metade!
Também sobre o
tempo necessário para a abertura desta picada boiadeira, outro cálculo
demonstra que se precisará no mínimo dois anos, trabalhando seis meses em cada
ano, pois durante a estação chuvosa os trabalhos serão forçosamente
interrompidos.
Resumindo,
chegamos ao seguinte fato: o Governo do Estado tem que dispender cerca de 800
contos de réis, em dois anos, e no fim do segundo ano receber uma picada
boiadeira de muito problemático e pequeno trânsito, e cuja conservação obrigará
o governo a gastar cada ano cerca de 50 contos de réis com a roçada e limpeza,
pois do contrário, dentro de 2 anos a picada será tomada pelo mato.
E por
conseguinte julgo que ao Governo do Estado não faltarão boas oportunidades para
dar aplicação mais útil àqueles 300 ou 800 contos, de efeitos mais imediatos e
mais proveitosos do que gastá-los na abertura das picadas de penetração num dos
maiores sertões do Norte. Pois, basta saber que por falta de recursos
paralisou-se a reconstrução da estrada de Poconé-Cuiabá; abandonou-se a ideia
de terminar a estrada para São Luiz de Cáceres; ficou adiada, “sine die” a
reforma e reconstrução da mais importante estrada do Estado, que liga esta
capital com o Sul, que é a estrada para Campo Grande, e que representa para
esta capital um dos maiores fatores de união dos seus interesses econômicos e
políticos com o Sul do Estado. À Interventoria passada no seu primeiro ano,
apresentei um memorial sobre a reforma e reconstrução desta estrada, reduzindo
a sua distância a 800 quilômetros e permitindo em 20 horas fazer o fazer o seu
percurso de Campo Grande.
Mais outra
importante estrada para S. Rita do Araguaia, que liga esta capital com Goiás,
acha-se em o mais deplorável estado de conservação. Araguaiana (antigo
Registro) até agora está sem estrada alguma para esta capital, entretanto, o
Governo do Pará, obtendo já do Governo Provisório a respectiva subvenção, vai
restabelecer a navegação do rio Araguaia até Leopoldina e Registro. Da mesma
forma as duas florescentes vilas, Lageado e Pochoréu até agora não estão
ligadas por uma boa estrada de rodagem. E a estrada de Rosário Oeste, uma das
mais movimentadas, até agora ainda ressente-se na falta de algumas pontes e
aterros, embora os esforços da Diretoria de Obras.
Mais ainda, o
Governo viu-se obrigado a abandonar a terminação da estrada para Barra dos
Bugres e largar à sua própria e triste sorte a estrada para Diamantino.
E assim por
diante não falando do Sul, que também necessita de algumas estradas, como por
exemplo a ligação de Bela Vista com Porto Murtinho, aliás, esta ficou a cargo
da Circunscrição Militar do Estado, e também Aquidauana necessita ligar-se com
Coxim por boa estrada, para pôr-se em comunicação com esta capital diretamente.
Por
conseguinte, seria muito mais proveitoso para o Estado, se esta ilustre
comissão, que já demonstrou louvável interesse pelo progresso desta parte do
Estado, em vista da extrema deficiência das comunicações desta capital, se
resolvesse a organizar um memorial a este respeito e patrocinasse perante o
Governo do Estado, para este conseguir do Governo da União uma verba de três
mil contos de réis, para pôr toda a rede rodoviária desta capital em estado de
completa eficiência.
Além disso,
não seria demais se todos os homens de responsabilidade desta capital
envidassem todos os esforços possíveis para obter do governo da União a estrada
de ferro que ligasse esta capital à Goiás e Minas. Só esta estrada de ferro
daria vida e prosperidade a todo o Norte do Estado, além de favorecer o
progresso dos outros dois Estados, beneficiados por esta importante ferrovia.
Se o Governo da União se resolvesse a estabelecer as grandes obras ferroviárias
e rodoviárias por todo este vasto país, granjearia a enorme simpatia e apoio
das grandes massas de povo, e só isto permitiria ao Governo sossegadamente
cogitar de todas suas reformas políticas e administrativas.
Oxalá! Que
Deus oriente os homens do governo deste país para que se decidam entrar no
caminho racional de restauração da vida de trabalho e progresso econômico, que
é o principal fator da estabilidade e felicidade dos governos e dos povos.
Cuiabá, Novembro de 1932.
Frei Wisnieski
NOTA:
Publicado no livro “De Cuiabá a Santarém”.
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