domingo, 27 de março de 2016

Uma opinião imparcial sobre a ligação rodoviário Cuiabá-Santarém – 1932


Tem se discutido ultimamente na imprensa local a projetada ligação de Cuiabá com Santarém, dando oportunidade de localizar-se com uma ilustre omissão que resolveu patrocinar perante o governo do Estado o respectivo apoio para esta ideia de ligação desta capital, com o estado do Pará.
Havendo-me diplomado na Europa por uma Escola Técnica de Viação e exercendo ha cerca de 20 anos a profissão na maior parte em estudos rodoviários  no Nordeste Paranaense e aqui em Mato Grosso, por conseguinte semelhante ideia da ligação de Cuiabá com Santarém tinha de chamar a minha atenção por força da minha profissão.

E assim submeti o referido projeto de ligação rodoviária de Cuiabá com a cidade de Santarém, situada na confluência do rio Tapajós com o Amazonas a uma análise sob vários pontos de vista, e cujo resultado achei de interesse publico e por esta razão nestas colunas venho expor ao largo ciclo de seus leitores mais uma opinião sobre a referida ligação.
Antes de qualquer apreciação a este respeito, devemos determinar com certa aproximação a distancia entre Cuiabá e Santarém pelo exame de várias cartas geográficas, existente sobre esta zona, verificam-se as seguintes distâncias:
Cuiabá-Pto. Caneco: 450 km.
Pto. Caneco-Divisa do Pará: 580 km.
Divisa do Pará-Pto. Itaituba: 780 km.
Pto. Itaituba-Santarém: 340 km.
Cuiabá-Santarém: 2.100 km.
Um pouco para cima do Pto. Itaituba acha-se situada a Boa Vista, onde está localizada a Fordlandia.
E por conseguinte a projetada estrada poderá entroncar-se na Fordlândia com a nova estrada desta empresa que esta construindo para Santarém.
Da mesma forma podemos aproveitar a estrada aberta pelo Serviço de Proteção aos Índios, que liga esta capital com o posto Simões Lotus e dirige-se para o futuro posto Pedro Dantas.
Por conseguinte desta enorme distancia de 2.100 km devemos descontar os trechos das estradas já existentes, sendo:
Cuiabá-ponto terminal da estrada do posto Pedro Dantas: 430 km.
Fordlãndia-Santarém: 350 km.
Total existente: 780 km.
Trecho por abrir: 1.320 km.
Distancia total: 2.100 km.
Assim, pois, resta-nos abrir num deserto desconhecido uma bagatela de 1.300 km!
Basta dizer que a abertura desta estrada tem de proceder-se numa zona de cerca de 1.00 0 km, que até agora comissão alguma o explorou, e que considera-se como um dos mais impenetráveis sertões do Brasil inteiro.
E por conseguinte a abertura desta estrada, mesmo na sua forma mais rustica (boiadeira), exigiria vultosas importâncias, como ainda maior sacrifícios ,em vida, e que a ilustre comissão promotora desta ligação, propõe como único  meio de minorar a assustadora crise de miséria, que começa a estender-se por todo o norte do Estado, e que esta afetiva situação na maior parte é devida à completa paralização de toda a espécie de trabalhos e melhoramentos públicos, e cuja paralização efetuou-se com o fim de consertar as finanças do estado, porém, como se poderá melhorar as rendas do Estado, abandonando quase por completo as suas vias de comunicações?!.
Porém, voltamos ao assunto da nossa estrada de ligação do Norte. Suponhamos que se trata de estradas comuns de altos, de fins comerciais e práticos. Neste caso a projetada estrada deve possuir os respectivos depósitos de gasolina, carvão vegetal nos casos de trabalharem com os gasogênios e mais outros recursos indispensáveis em longas viagens.
Além disso, para facilitar as comunicações com estes depósitos nos casos de socorros toda esta estrada deve ser acompanhada de linha telefônica ou telegráfica. E por conseguinte a abertura dessa estrada só poderá ser efetuada na forma semelhante, como foi executada a construção da linha telegráfica para o Amazonas pela extinta condução Rondon.
E o custo desta estrada será nunca menos de 3-4.000 pontos, e a sua construção levará cerda de 4 a 5 anos.
Naturalmente com este longo prazo desaparece o primeiro e único ponderável motivo que explica a necessidade de abertura desta estrada, que é evitar o novo isolamento desta capital no caso de outro surto revolucionário armado. Pois, é de esperar-se que em tão longo prazo, o país inteiro já entrará em sua vida constitucional, e há tempo tenha saído do atual período de lutas revolucionárias. E assim, desaparecendo a vantagem estratégica, e imediata desta estrada, só resta analisar a sua utilidade econômica.
Tomando para o nosso calculo a despesa da gasolina no todo seu percurso de 2.100 km, diárias de chofer com o respectivo ajudante, despesas de amortização do carro e outros gastos inevitáveis em tão longa viagem, verificaremos que o frete de uma tonelada de mercadoria levada de Cuiabá a Santarém custará cerca de 1:600$, e a mercadoria trazida pela via marítima e fluvial do Rio ou São Paulo para Santarém e daí até Cuiabá, terá o frete de 1 tonelada de mercadoria pelo custo de mais de dois contos de réis! Entretanto, a mesma mercadoria trazida do Rio ou São Paulo por via férrea e fluvial até Cuiabá, pagará um frete de cerca de 500$ a 900$ por tonelada; ou trazida por via marítima e fluvial pagará um frete de cerca de 400$ a 600$000.
Basta confrontar estes fretes para verificar que a projetada estrada de Cuiabá a Santarém, do ponto de vista econômico não dará nenhuma vantagem ao comercio desta praça e por conseguinte a referida estrada não poderá produzir os esperados efeitos de melhoramento na vida econômica o norte do estado.
Porém, alguns deste que haviam lido os últimos artigos do “Mato-Grosso”, em vista do exposto acima, iria estranhar o motivo porque a 30 anos atrás, já se cogitava desta estrada de ligação de Cuiabá com Santarém. Pois, é fácil explicar este fato. Por esta época, o norte do estado,  a indústria seringueira atingia o auge da prosperidade. A borracha, nos portos do Pará, alcançava a cotação de mais de 200$ por arroba, quer dizer, cerca de 14 pontos por tonelada! Uma mercadoria desse preço, perfeitamente poderia pagar um frete ainda mais elevado que fosse.
E depois, pelo rumo do traçado indicado naquela época para esta estrada, era fácil de perceber, que também esta destinava-se para a descoberta de novos seringais, e a respectiva ligação destes com os centros de exportação. E a única tentativa de abertura desta estrada procedeu-se com este só motivo, como todos os ex-seringueiros sabem desse fato.
E assim, somente resta a esta estrada a sua terceira e ultima aplicação viável, como a simples picada de exploração e penetração, e como uma estrada boiadeira para a construção de tropas, que queiram algum dia aventurar-se por este enorme sertão.
E por conseguinte, vamos verificar o custo aproximativo desta estrada boiadeira para podermos julgar da sua oportunidade. E assim continuando, notamos que o custo desta picada boiadeira abrange a seguintes posições:
1) Estudos e explorações sobre o traçado desta picada.
2) Abertura de picadas.
3) Construções de depósitos e cercados.
4) Fornecimento de víveres.
5) Farmácia e médico.
 Como alguns dos ilustres membros da referida comissão patrocinadora desta estrada, aventuraram a ideia de completa dispensa dos estudos, para conseguir a maior economia na abertura desta picada, venho aqui esclarecer que os estudo ou explorações geográficas e topográficas são absolutamente indispensáveis na abertura desta picada sob a pena de fracasso desta obra e perda dos dinheiros gastos, pelos seguintes motivos:
a)     A enorme extensão que esta picada tem de percorrer, obrigará seguidamente a determinar a sua posição geográfica nos mapas, para a sua devida orientação. E para isto será necessário proceder o levantamento das picadas exploradas e efetuar as respectivas observações astronômicas de cada 100 km de percurso aberto.
b)     Esta estrada só é praticável, seguindo pelo espigão divisor das águas entre os rios Xingu e Tapajós, e só quem traçou as estradas em espigões sabe do grande esforço de atenção, que se aplica nestes trabalhos, para não se perder, desviando por algum dos grandes espigões secundários, que formam em certos pontos um verdadeiro leque.
Julgo quem estas considerações são suficientes para provar a absoluta necessidade de prévias explorações e estudos sobre a abertura desta picada na extensão de cerca de 1.300 km, prosseguindo por pontos certos e determinados pela rede potomográfica [sic] da zona.
Das explorações e estudos de alguma rodovia, efetuados neste Estado, verificou-se que cada quilometro custa na média cerca de 80$, porém para o nosso caso da picada de Santarém esta média é muito baixa e tem de ser elevada à importância mínima de 100$ por cada quilometro.
E assim temos:
Explorações e estudos dos 1.300 km a 100$ cada km: 130:000$
Abertura da picada:
Em matas (40%), cerca de 500 km a 400$ o km: 200:000$
Em cerrados (60%) cerca de 800 km a 250$ o km: 160:000$
Depósitos e cercados:
Construção de depósitos com piquetes cercados a cada 60 km. 20 depósitos a 2:000$ cada: 40:000$
Fornecimento de viveres
Tropa de 60 burros a 300$ cada um: 18:000$
Condução de tropas durante 12 meses de serviço a 2:000$ cada: 24:000$
Comestíveis para as turmas durante 12 meses (para 150 homens): 108:000$
Farmácia e médico (12 meses): 30:000$
Total: 760:000$
5% eventuais gastos: 40:000$
Total: 800:000$
Daqui se vê, que mesmo uma simples picada boiadeira custará uma considerável importância de 800 contos de réis, e por conseguinte a importância de 300 contos de réis que pretende-se gastar na abertura desta estrada não chegará nem para a metade!
Também sobre o tempo necessário para a abertura desta picada boiadeira, outro cálculo demonstra que se precisará no mínimo dois anos, trabalhando seis meses em cada ano, pois durante a estação chuvosa os trabalhos serão forçosamente interrompidos.
Resumindo, chegamos ao seguinte fato: o Governo do Estado tem que dispender cerca de 800 contos de réis, em dois anos, e no fim do segundo ano receber uma picada boiadeira de muito problemático e pequeno trânsito, e cuja conservação obrigará o governo a gastar cada ano cerca de 50 contos de réis com a roçada e limpeza, pois do contrário, dentro de 2 anos a picada será tomada pelo mato.
E por conseguinte julgo que ao Governo do Estado não faltarão boas oportunidades para dar aplicação mais útil àqueles 300 ou 800 contos, de efeitos mais imediatos e mais proveitosos do que gastá-los na abertura das picadas de penetração num dos maiores sertões do Norte. Pois, basta saber que por falta de recursos paralisou-se a reconstrução da estrada de Poconé-Cuiabá; abandonou-se a ideia de terminar a estrada para São Luiz de Cáceres; ficou adiada, “sine die” a reforma e reconstrução da mais importante estrada do Estado, que liga esta capital com o Sul, que é a estrada para Campo Grande, e que representa para esta capital um dos maiores fatores de união dos seus interesses econômicos e políticos com o Sul do Estado. À Interventoria passada no seu primeiro ano, apresentei um memorial sobre a reforma e reconstrução desta estrada, reduzindo a sua distância a 800 quilômetros e permitindo em 20 horas fazer o fazer o seu percurso de Campo Grande.
Mais outra importante estrada para S. Rita do Araguaia, que liga esta capital com Goiás, acha-se em o mais deplorável estado de conservação. Araguaiana (antigo Registro) até agora está sem estrada alguma para esta capital, entretanto, o Governo do Pará, obtendo já do Governo Provisório a respectiva subvenção, vai restabelecer a navegação do rio Araguaia até Leopoldina e Registro. Da mesma forma as duas florescentes vilas, Lageado e Pochoréu até agora não estão ligadas por uma boa estrada de rodagem. E a estrada de Rosário Oeste, uma das mais movimentadas, até agora ainda ressente-se na falta de algumas pontes e aterros, embora os esforços da Diretoria de Obras.
Mais ainda, o Governo viu-se obrigado a abandonar a terminação da estrada para Barra dos Bugres e largar à sua própria e triste sorte a estrada para Diamantino.
E assim por diante não falando do Sul, que também necessita de algumas estradas, como por exemplo a ligação de Bela Vista com Porto Murtinho, aliás, esta ficou a cargo da Circunscrição Militar do Estado, e também Aquidauana necessita ligar-se com Coxim por boa estrada, para pôr-se em comunicação com esta capital diretamente.
Por conseguinte, seria muito mais proveitoso para o Estado, se esta ilustre comissão, que já demonstrou louvável interesse pelo progresso desta parte do Estado, em vista da extrema deficiência das comunicações desta capital, se resolvesse a organizar um memorial a este respeito e patrocinasse perante o Governo do Estado, para este conseguir do Governo da União uma verba de três mil contos de réis, para pôr toda a rede rodoviária desta capital em estado de completa eficiência.
Além disso, não seria demais se todos os homens de responsabilidade desta capital envidassem todos os esforços possíveis para obter do governo da União a estrada de ferro que ligasse esta capital à Goiás e Minas. Só esta estrada de ferro daria vida e prosperidade a todo o Norte do Estado, além de favorecer o progresso dos outros dois Estados, beneficiados por esta importante ferrovia. Se o Governo da União se resolvesse a estabelecer as grandes obras ferroviárias e rodoviárias por todo este vasto país, granjearia a enorme simpatia e apoio das grandes massas de povo, e só isto permitiria ao Governo sossegadamente cogitar de todas suas reformas políticas e administrativas.
Oxalá! Que Deus oriente os homens do governo deste país para que se decidam entrar no caminho racional de restauração da vida de trabalho e progresso econômico, que é o principal fator da estabilidade e felicidade dos governos e dos povos.

Cuiabá, Novembro de 1932.

Frei Wisnieski


NOTA: Publicado no livro “De Cuiabá a Santarém”.

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