terça-feira, 22 de março de 2016

Situação política e econômica da Prelazia de Santarém em 1904


O território da Prelatura, pouco menor em tamanho que a Península Ibérica, forma um imenso ângulo reto, que parte do Atlântico em rumo oeste até o rio Yamundá, onde dobra para o sul até o rio São Manoel, afluente direito do Tapajós. Quem navega no Amazonas e seus inúmeros afluentes vê tudo coberto de densas matas, quase todas virgens. Até as grandes várzeas e ilhas, que o Amazonas formou, estão cobertas, em grande parte de matos. Muito além destas matas, nos planaltos, se estendem grandes campinas, áridas e estéreis, entrecortadas de “ilhas de mato”, em lugares onde a argila aparece à flor da terra. Só em Santarém e Monte Alegre as campinas chegam até à margem do rio. As grandes várzeas em ambas as margens do rio Amazonas, na parte ocidental da Prelatura abrangem lagos sem conta, de todos os tamanhos, cujas águas se renovam anualmente pela enchente do rio, abundante de peixes de muitas qualidades e jacarés.


Por este grande território, raramente espalhado e sempre à margem dos rios, se acham as poucas cidades, vilas e lugares, muito distantes umas das outras; e nos intervalos, de vez em quando, uma pobre palhoça, aqui e acolá uma casa decente de um comerciante ou criador. Em terras baixas que o rio inunda, elas são construídas sobre esteios, mais ou menos altos. Nas várzeas há grandes fazendas com numeroso gado vacum, sendo a margem bordada de uma fita escura da folhagem dos cacoais. Enchentes têm os danificado muito, e o povo, indolente que é, não cuida em replantá-los.

Colônias de lavradores no interior há poucas e de pouca importância, a saber, nas de Santarém e de Monte Alegre, e uma de Óbidos. Os caminhos de comunicação são vapores e lanchas a vapor, e canoas a vela. Em trechos encachoeirados somente a força de braços a custo venciam as corredeiras e cachoeiras. A viagem até São Manoel custava um trabalho de 30 a 50 dias.

Nas zonas de extração de borracha e castanha, a lavoura é nula, como é nula a criação de gado, sendo, portanto importados estes gêneros de primeira necessidade, e vendidos por preços fabulosos. Assim vendia-se no rio Jamanchim o paneiro de farinha por $40.000 (quarenta contos de réis), e muito mais caro da foz desse rio para cima. O preço exorbitante de todas as coisas nessa zona era motivado já pelas despesas na longa viagem, e também pela necessidade de prender o pessoal extrator aos seringais, não lhes permitindo que chegassem a um saldo suficiente para voltarem para o seu estado natal, Ceará ou Maranhão. Muito influi também a ganância dos proprietários dos regatões e dos fornecedores do comércio de Belém. Enquanto o vapor da borracha estava em 10 ou mais mil réis, todos tiravam grande vantagem pecuniária, e os próprios seringueiros, quando o impaludismo, endêmico nessas zonas, não os impossibilitava para o trabalho, tiravam as vezes avultado saldo. A baixa enorme e constante da borracha, porém, não tardou em vitimar primeiro os seringueiros, depois os proprietários e ainda o comércio de Belém.

Menos exorbitantes eram os preços dos gêneros de primeira necessidade nos castanhais, que se acham no “Hinterland” de Alenquer e Óbidos, e o pessoal, ocupado com a colheita das castanhas, não conhece aquele cativeiro disfarçado dos seringueiros, porque, terminado o trabalho da colheita, quase todos voltavam para suas casas. Também nos castanhais o impaludismo é endêmico.

A extração do leite da seringueira era a indústria mais rendosa, e ocupava inúmeros braços, dos rios adentro, onde quer que se descobrisse essa preciosa árvore. Vive este pessoal em miseráveis palhoças, sozinhos, a dois, poucos casados, muitos amasiados. De 15 em 15 dias descem ao barracão do patrão, à beira do rio para se proverem do mantimento, a troco da borracha que trouxeram. Sabedores do preço provável da borracha voltavam alegres ou tristes, conforme a resposta que recebeiam.

É só na ocasião da descida que o Sacerdote encontra esses pobres homens, para dispensar-lhes o ensino e as graças da Sagrada Religião. Os patrões não lhes negam o dinheiro de que necessitam, a não ser que estejam demasiadamente endividados. A depravação de costumes é grande, em particular na classe dos proprietários. Entre o pessoal extrator, porém, acha-se gente bem intencionada, que aproveita estas ocasiões para receber os Santos Sacramentos”.


NOTA: Publicado no Livro do Centenário da Diocese de Santarém.

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