Durante a epidemia colérica no
ano de 1855, o Vigário Geral do Baixo Amazonas, Cônego Raimundo Antônio
Fernandes, foi alvo de perseguição pública em Santarém. A acusação era de que o
referido Cônego estaria cobrando dinheiro por casamentos realizados “em perigo
de morte”. Em sua defesa saíram seu irmão, o Pe. João Antônio Fernandes e o
pároco coadjutor, o padre santareno Raimundo José Auzier, conforme se pode ver
pelos ofícios publicados abaixo:
Ofício 1
“Ilmo. e Revmo. Sr.
Cumprindo a
exigência de V. Sa. em seu ofício desta data passo a responder aos quesitos
propostos.
No dia 20 de
junho do corrente ano manifestou-se nesta cidade a invasão da epidemia, e nesse
mesmo dia de noite deu V. Sa. princípio às preces públicas da Igreja, que continuaram
no tríduo e se encerraram com a procissão de penitência, antes da qual, subindo
V Sª. ao púlpito pregou ao povo a necessidade de implorar a Misericórdia do
Senhor.
Findas as preces,
soube no dia seguinte que V. Sa. enfermara do mal reinante: fui visitá-lo, e o
achei prostrado com sinais visíveis do seu estado mórbido. A doença era pois
real. Decorridos poucos dias, fui por V Sa. chamado para o confessar, e no dia
imediato também eu fui tocado do mal, posto que ligeiramente, ficando só em pé
de serviço o Revdo. Coadjutor João Antônio Fernandes, que felizmente se viu
preservado pela Providência para acudir às necessidades do rebanho.
E ele ordenou V.
Sa. continuasse novas preces e mais exercícios de piedade com o povo reunido na
Matriz, o que cumpriu; e eu que já então me achava reestabelecido o ajudei nas
preces, acompanhando a procissão do último dia.
Consta-me que V.
Sa. mandará por a disposição do mesmo padre o seu carrinho pronto e aparelhado,
para mais facilmente acudir aos enfermos com os socorros da Igreja.
Finalmente nunca
em tempo algum, máxime na horrível época, de que apenas respiramos, observei
que V Sa. exigisse a mínima pitança por casamentos feitos in extremis.
É o quanto posso
e devo declarar em abandono da verdade, e o jurarei, sendo necessário.
Deus guarde a V.
Sa. Santarém 23 de agosto de 1855.
(Ao) Ilmo. e
Revmo. Sr. Raimundo Antônio Fernandes, Vigário Geral do Baixo Amazonas.
Raimundo José
Auzier, Coadjutor da Freguesia”.
Ofício 2
“Ilmo. e Revmo. Sr.
Acuso a recepção
do oficio de V. Sa. de ontem em que exige a resposta dos quesitos constantes do
mesmo, os quais respondo pela maneira seguinte.
Resp. 1º. É
inegável, que se fizeram preces públicas nesta Freguesia, logo que apareçeu a
epidemia e que foi V. Sa. quem fez, assim como no último dia do tríduo antes da
Procissão orou V. Sa. fazendo ver a necessidade da penitência.
Resp. 2ª. Sei que
foi V. Sa. atacado do cólera e que esteve bastantemente em perigo, isto
presenciei as repetidas vezes, que fui a sua casa.
Resp. 3ª. Não
padece a menor dúvida, que como Coadjutor me recomendou V. Sa. que fizesse
novas preces, assim mais outros exercícios de piedade, o que foi por mim
pontualmente observado.
Resp. 4ª. É público,
e notório, que o carro em que andei foi de V. Sa. que liberalmente pôs à minha
disposição, para com mais facilidade acudir de pronto aos enfermos afetados da epidemia.
Resp. 5ª. Não me
consta que V. Sa. mandasse pedir dinheiro por casamentos in art. mortis, fui eu quem os fiz, e desafio a população desta
Cidade, para que diga o contrário de que afirmo.
Deus guarde a V.
Sa. Santarém, 3 de agosto de 1855.
(Ao) Ilmo. e
Revmo. Sr. Raimundo Antônio Fernandes, Vigário Geral da Comarca.
O Padre João
Antônio Fernandes”.
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