Abaixo publicamos duas
cartas que demonstram as tensões existentes entre os missionários franciscanos da
Missão de Sant’Ana e os militares da Fortaleza de Santo Antônio dos Pauxis. Na
primeira a denúncia feita pelo frade Manoel de Marvão ao Rei de Portugal, que a
ele responde na segunda carta publicada abaixo.
Carta
de Frei Manoel de Marvão ao Rei de Portugal
sobre
as atitudes do Capitão da Fortaleza Pauxis
Senhor.
Frei Manoel Marvão, Pregador e comissário das Missões que a Província
da Piedade administra neste Estado do Maranhão, satisfazendo as Leis que para o
bom regime dos Missionários foram feitas; dá conta e se queixa a V. Real
Majestade de que entre as Aldeias da sua administração, tem uma junto à
fortaleza chamada a dos Pauxis da qual é capitão Ignácio Leal de Moraes, e nela
reside haverá dez anos, sem que pelo decurso de todo esse tempo, com alguns dos
Missionários se tenha conservado, como consta das repetidas queixas que contra
ele foram aos Capitães generais deste Estado apresentadas, querendo fazer-se
senhor absoluto da tal Aldeia e do sertão anexo a ela, praticando o gentio para
que o não servir nas suas Roças, e grangearias, e apanhando-os por força, não
só os da dita Aldeia, mas também os das Aldeias circunvizinhas, contra as Leis
de V. Majestade, desprezo dos Missionários e escândalo dos gentios,
obrigando-os com estas e outras insolências a que deixem as Missões e
desamparem as Aldeias como fizeram neste presente ano de 1726, deixando deserta
a sobredita Aldeia sem que lhe ficasse uma só pessoa, tudo pelas suas más
práticas e conveniências referidas, e a outras duas já tivera sucedido o mesmo,
se os Missionários vendo isto, se não tiveram acautelado e prevenido, o que bem
se prova pois, pedindo-lhe o Missionário soldados e adjutório para os buscar o
não quis fazer e em que o Missionário foi a outra fortaleza e Aldeia vizinha
fazer a mesma diligência, mandou arrancar as portas da casa do Missionário, as
portas da Igreja e tirar o sino, que com mais pobreza do Missionário foi
remetendo para a missão mais perto, dizendo queria dar aquela Aldeia a um
clérigo de seu agrado e gosto, absurdo indigno de um católico, acrescendo a
tudo isto estar continuamente amarrando Índios para seus escravos, de que foi
já juridicamente convencido, pois vendeu cento e tantas pessoas que com
dispêndio do Missionário do sertão foram descidas; duas vezes impediu
efetuar-se o sacramento do Matrimônio aos Índios depois de estarem na Igreja
admoestados, só pelos não largar da sua casa, sendo eles da mesma Aldeia, sem
fazer caso da censura em que incorria, como o Missionário lhe declarava, nem ao
depois os quis entregar quando o comissário em visita lhe os mandou repor,
antes os mandou para a cidade. Finalmente todos os Índios que destas e das
Aldeias vizinhas tem tirado para seu serviço, poucos tem reposto, o que agora
de próximo se mostra de uma carta do Missionário dos Yamundazes para o Capitão
general em que se lhe queixa de lhe não ter reposto na Aldeia nove Índios que
dela tinha tirado há três anos, faltando às Leis de V. Majestade e às ordens do
Capitão general que já por queixa do Missionário lhe os tinha mandado repor e
do seu trabalho satisfazer no que também é compreendido, pois nunca satisfez inteiramente
o salário aos Índios que o serviram, aproveitando-se do posto que possui e do
pretexto de que são para o serviço de V. Majestade só a fim de procurar o seu
serviço e o seu interesse próprio, cujos delitos e insolências tem resultado em
muitas ofensas a Deus [e] violação das Leis de V. Majestade, inquietação em
molestar os Missionários, o que desejando nós todos evitar e viver em paz e
quietação, não só o temos muitas vezes admoestado, mas também nos temos uma e
muitas vezes queixado aos Capitães generais mas não tem sido bastante para a
emenda, antes, pela sua má condição, e pouca estimação de sua pessoa, em todo
este Estado bem notória e conhecida, tudo resulta em novas ofensas de Deus e
quebrantamento das Leis e descrédito dos Missionários, impondo-lhes culpas e
delitos e desacreditando a todos com escândalo do povo. Para que, pois, tantos
absurdos, insolências e delitos como este Capitão tem cometido, tenham o devido
e conveniente remédio, recorro ultimamente ao patrocínio e poder de V. Majestade
com o parecer e consentimento do Capitão general deste Estado para que
atendendo a todo o referido, mande estranhar e castigar tantas insolências
contra as Leis Divinas e humanas cometidas, mande prover o tal presídio de cabo
e Capitão que não quebrante as Leis e execute com satisfação o seu ofício, pois
este atendendo só a sua conveniência muitas vezes e por muito tempo tem deixado
a fortaleza deserta e desamparada, o que resultará em grande desserviço de Deus
e de V. Majestade cuja pessoa o mesmo Senhor guarde e prospere por mais anos
como continuamente lhe pedimos. Hospício de S. Joseph de Belém do Grão Pará, 5
de setembro de 1726.
De V. Majestade o menor súdito e leal vassalo. Frei Manoel de Marvão,
Comissário das Missões.
Carta
Régia de resposta a Frei Manoel de Marvão
Dom João etc. Faço saber a vós João da Maya da Gama Governador e
Capitão general do Estado do Maranhão, que vendo-se a conta, que me deu Frei
Manoel de Marvão, comissário das Missões que a Província da Piedade administra
nesse Estado, em carta, de que com esta se vos remete a cópia, em que se queixa
do capitão da Fortaleza dos Pauxis, Ignácio Leal de Moraes, por se querer fazer
senhor absoluto da Aldeia, que está junto à dita Fortaleza, servindo-se dos
Índios nas suas Roças e grangearias, mandando arrancar as portas da casa do
Missionário, as portas da Igreja; e tirar o sino, dizendo queria dar àquela
Aldeia a um clérigo do seu agrado: acrescendo também estar continuamente
amarrando os Índios para seus escravos, de que já fora convencido juridicamente
e por duas vezes impedira efetuar-se o sacramento do Matrimônio aos Índios,
depois de estarem em a Igreja admoestados, só pelos não largar da sua casa. Me
pareceu ordenar-vos que achando estas desordens, não só as emendeis, mas as
castigueis e deis conta do que neste particular obrardes. El Rey nosso senhor o
mandou por Antonio Rodrigues da Costa, e o Doutor Joseph de Carvalho Abreo,
Conselheiros do seu Conselho Ultramarino e se passou por duas vias. Antonio de
Souza Pereira a fez em Lisboa ocidental a 25 de março de 1727.
É meu caro padre Sidney, parece que os abusos administrativos vêm de longe...
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