Corria o ano de 1925 e Santarém
vivia uma intensa vida cultural. Nessa década tínhamos três bandas de música,
dois cinemas (que ainda exibiam filmes mudos), diversos folguedos juninos,
arraiais e festas de santos (além dos padroeiros dos três bairros da cidade:
Nossa Senhora da Conceição, São Raimundo e São Sebastião, ainda havia as festas
de São Benedito, São Pedro, Santo Antônio, Sagrado Coração de Jesus, Nossa
Senhora do Rosário, Mês Mariano, sem citar as festas realizadas pelo interior).
E havia também o glamour do “Theatro Victória”.
Além das Companhias de Teatro
que, de passagem entre Belém e Manaus, ora ou outra, paravam pela cidade,
Santarém possuía seus próprios atores, que se reuniam em “grupos cênicos”. Um
destes grupos, chamado “MANOEL GUIMARÃES”, sob a batuta do teatrólogo
santareno, Felisbelo Sussuarana, apresentou pela primeira vez, no ano
supracitado, a revista teatral “EU VOU TELEGRAFAR”. Um marco para a história
teatral da cidade, cuja estreia foi assim noticiada pelo jornal “A Cidade”:
“Com a revista EU VOU TELEGRAFAR, da fulgurante pena de Mundico
Malagueta (Felisbello Sussuarana), representada pela primeira, apresentou-se
domingo passado no “Victoria”, o Grupo Scenico “Manoel Guimarães” . A nossa
casa de espetáculos, hoje completamente transformada, com mobiliário próprio de
que se ressentia, há longo tempo e embora deficiente ainda, oferecia um aspecto
encantador, um ambiente alegre e festivo, prendendo, sobremaneira, a atenção da
numerosa assistência, que o Theatro regurgitava. Às 21 horas, precisamente, o
Grupo Scenico deu início a exibição da chistosa Revista, sob palmas da plateia,
colocando esta a observar, num retrospecto fidelíssimo e interessante, fatos e
coisas da época de 1923. Nela brilharam, como, aliás, era de esperar, Nhonhô
Guimarães, Joaquim Toscano, Noemi Cotta, Nair Macedo, Antonieta Guimarães e
toda a plêiade de amadores conscienciosos, que formam o elenco, dentre eles se
destacando Mundoca Imberiba, Flavia Guimarães, Graziella Corrêa, Felisbelo
Sussuarana, Zé Agostinho, Mascarenhas e Valico Collares. Absolutamente senhores
de seus papéis, cuidados com requintado apuro, que, muita vez, dispensa o
auxilio do ponto, eles se revelaram elementos de rara exatidão interpretativa,
auxiliados por encenações justas e montagem que , parecendo simples e modesta,
não deixou de dar a sugestão segura do ambiente, quanto ao meio e à época. EU
VOU TELEGRAFAR é uma revista que , sem exagero, retrata e espelha, nos seus
múltiplos detalhes , cenas e fatos que fomos testemunha no ano em que
festejamos o centenário da adesão de Santarém à Independência pátria.
Apresenta-nos, de fato, personagens definidos. Aquele Coronel Patureba, de mãos
dadas com o indefectível Major Odilio Telegrama, na batida às curibocas e às chuanes, não podia estar melhor. Este
último, então, deu no vinte! É ele mesmo, sem tirar nem por... Apreciamos com
real satisfação, o Almofadinha, o Leiteiro e o Prompto; o Cego e o Capitão
Anachoreta, sem conjunção de princípio,
nem transporte de remorsos; o Aleijado, o Inglês dos caroços, o Banqueiro e
o Voador, desempenhados por Mascarenhas; o dr. Quenopódio, o Theatro e o Football, interpretados por Valico; o
Doente e o Polícia, por Bebeto Guimarães; o Comércio, o Café Bahia, a Chuane, o Xodó e, principalmente, a
Cuiera, executados com rara habilidade por Nair Macedo; a Moda, a Feiticeira, a
Municipalidade e a celebre Empresa da Luz, por Antonieta Guimarães; O RELÓGIO,
café Bataclan, primeira Torcedora e Chinela, por Graziella Corrêa; a Viúva, o
Café Firmeza e a Prainha, por Flávia Guimarães; o Café Chic, a Pensão O
Castello e a Aldeia, por Mundoca Imberiba; e , finalmente, a Z 11, a
segunda Torcedora, o Marco e a Pensão Bahiana, interpretados, com
mestria pela inteligente e esforçada Noemi Cotta. Após o movimentado baile em
casa de Chica Flor, além do Curro, onde estiverem presentes “guelas” e
“furões”, “chuanes” de xodós e de
chinelas furadas, inclusive o Coronel Patureba e o Major Odilio, na célebre
batida, terminou o espetáculo com uma linda apoteose à Independência. Quando
descia o pano, a plateia num gesto de agradecimento, reclama o autor da peça à
cena. Este, com aquela modéstia que lhe é peculiar, surge no palco, sob
aclamações ruidosas e entusiásticas, recebendo nessa ocasião, lindo ramalhete
de flores naturais, ofertado pelo Grupo Scenico. Foi, realmente, uma linda
noitada a de Domingo passado. A prova disso está no generoso acolhimento
oferecido à revista e no entusiasmo que empolgava a todos que lá estiveram.
Para o brilho do espetáculo concorreram ainda, o professor Raymundo Fona,
dirigente da orquestra que executou e fez executar lindas músicas, nos
intervalos e durante a exibição da
magnífica revista, o sr. João Fona e o sr. Laudelino Correa, pintores; assim
como o sr. Professor Antônio Carvalho, que serviu de ponto, e o sr. Manoel Portilho Bentes, contra
regra. A montagem e a encenação, como ficou dito, são plenamente satisfatórias.
O guarda roupa, muito cuidado e exato, contribuiu para a excelência do
espetáculo. Diante do triunfo alcançado com a representação da EU VOU
TELEGRAFAR , estão de parabéns os membros do Grupo Scenico e muito
especialmente, o autor da Revista, esse inteligente Mundico Malagueta, de cuja
pena brilhante esperamos novas produções de real mérito, como a de que se trata”.
As músicas da peça teatral "EU VOU TELEGRAFAR" são de autoria de meu avô José Agostinho da Fonseca (1886-1945), que também dirigia a orquestra e atuava como ator.
ResponderExcluirConfira: "Meu Baú Mocorongo" (Wilson Fonseca).
Vicente Malheiros da Fonseca.