segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

A estreia da peça “Eu vou Telegrafar”

Corria o ano de 1925 e Santarém vivia uma intensa vida cultural. Nessa década tínhamos três bandas de música, dois cinemas (que ainda exibiam filmes mudos), diversos folguedos juninos, arraiais e festas de santos (além dos padroeiros dos três bairros da cidade: Nossa Senhora da Conceição, São Raimundo e São Sebastião, ainda havia as festas de São Benedito, São Pedro, Santo Antônio, Sagrado Coração de Jesus, Nossa Senhora do Rosário, Mês Mariano, sem citar as festas realizadas pelo interior). E havia também o glamour do “Theatro Victória”.

Além das Companhias de Teatro que, de passagem entre Belém e Manaus, ora ou outra, paravam pela cidade, Santarém possuía seus próprios atores, que se reuniam em “grupos cênicos”. Um destes grupos, chamado “MANOEL GUIMARÃES”, sob a batuta do teatrólogo santareno, Felisbelo Sussuarana, apresentou pela primeira vez, no ano supracitado, a revista teatral “EU VOU TELEGRAFAR”. Um marco para a história teatral da cidade, cuja estreia foi assim noticiada pelo jornal “A Cidade”:



Com a revista EU VOU TELEGRAFAR, da fulgurante pena de Mundico Malagueta (Felisbello Sussuarana), representada pela primeira, apresentou-se domingo passado no “Victoria”, o Grupo Scenico “Manoel Guimarães” . A nossa casa de espetáculos, hoje completamente transformada, com mobiliário próprio de que se ressentia, há longo tempo e embora deficiente ainda, oferecia um aspecto encantador, um ambiente alegre e festivo, prendendo, sobremaneira, a atenção da numerosa assistência, que o Theatro regurgitava. Às 21 horas, precisamente, o Grupo Scenico deu início a exibição da chistosa Revista, sob palmas da plateia, colocando esta a observar, num retrospecto fidelíssimo e interessante, fatos e coisas da época de 1923. Nela brilharam, como, aliás, era de esperar, Nhonhô Guimarães, Joaquim Toscano, Noemi Cotta, Nair Macedo, Antonieta Guimarães e toda a plêiade de amadores conscienciosos, que formam o elenco, dentre eles se destacando Mundoca Imberiba, Flavia Guimarães, Graziella Corrêa, Felisbelo Sussuarana, Zé Agostinho, Mascarenhas e Valico Collares. Absolutamente senhores de seus papéis, cuidados com requintado apuro, que, muita vez, dispensa o auxilio do ponto, eles se revelaram elementos de rara exatidão interpretativa, auxiliados por encenações justas e montagem que , parecendo simples e modesta, não deixou de dar a sugestão segura do ambiente, quanto ao meio e à época. EU VOU TELEGRAFAR é uma revista que , sem exagero, retrata e espelha, nos seus múltiplos detalhes , cenas e fatos que fomos testemunha no ano em que festejamos o centenário da adesão de Santarém à Independência pátria. Apresenta-nos, de fato, personagens definidos. Aquele Coronel Patureba, de mãos dadas com o indefectível Major Odilio Telegrama, na batida às curibocas e às chuanes, não podia estar melhor. Este último, então, deu no vinte! É ele mesmo, sem tirar nem por... Apreciamos com real satisfação, o Almofadinha, o Leiteiro e o Prompto; o Cego e o Capitão Anachoreta, sem conjunção de princípio, nem transporte de remorsos; o Aleijado, o Inglês dos caroços, o Banqueiro e o Voador, desempenhados por Mascarenhas; o dr. Quenopódio, o Theatro e o Football, interpretados por Valico; o Doente e o Polícia, por Bebeto Guimarães; o Comércio, o Café Bahia, a Chuane, o Xodó e, principalmente, a Cuiera, executados com rara habilidade por Nair Macedo; a Moda, a Feiticeira, a Municipalidade e a celebre Empresa da Luz, por Antonieta Guimarães; O RELÓGIO, café Bataclan, primeira Torcedora e Chinela, por Graziella Corrêa; a Viúva, o Café Firmeza e a Prainha, por Flávia Guimarães; o Café Chic, a Pensão O Castello e a Aldeia, por Mundoca Imberiba; e , finalmente, a  Z 11, a  segunda Torcedora, o Marco e a Pensão Bahiana, interpretados, com mestria pela inteligente e esforçada Noemi Cotta. Após o movimentado baile em casa de Chica Flor, além do Curro, onde estiverem presentes “guelas” e “furões”, “chuanes” de xodós e de chinelas furadas, inclusive o Coronel Patureba e o Major Odilio, na célebre batida, terminou o espetáculo com uma linda apoteose à Independência. Quando descia o pano, a plateia num gesto de agradecimento, reclama o autor da peça à cena. Este, com aquela modéstia que lhe é peculiar, surge no palco, sob aclamações ruidosas e entusiásticas, recebendo nessa ocasião, lindo ramalhete de flores naturais, ofertado pelo Grupo Scenico. Foi, realmente, uma linda noitada a de Domingo passado. A prova disso está no generoso acolhimento oferecido à revista e no entusiasmo que empolgava a todos que lá estiveram. Para o brilho do espetáculo concorreram ainda, o professor Raymundo Fona, dirigente da orquestra que executou e fez executar lindas músicas, nos intervalos e durante a exibição  da magnífica revista, o sr. João Fona e o sr. Laudelino Correa, pintores; assim como o sr. Professor Antônio Carvalho, que serviu de  ponto, e o sr. Manoel Portilho Bentes, contra regra. A montagem e a encenação, como ficou dito, são plenamente satisfatórias. O guarda roupa, muito cuidado e exato, contribuiu para a excelência do espetáculo. Diante do triunfo alcançado com a representação da EU VOU TELEGRAFAR , estão de parabéns os membros do Grupo Scenico e muito especialmente, o autor da Revista, esse inteligente Mundico Malagueta, de cuja pena brilhante esperamos novas produções de real mérito, como a de que se trata”. 

Um comentário:

  1. As músicas da peça teatral "EU VOU TELEGRAFAR" são de autoria de meu avô José Agostinho da Fonseca (1886-1945), que também dirigia a orquestra e atuava como ator.
    Confira: "Meu Baú Mocorongo" (Wilson Fonseca).

    Vicente Malheiros da Fonseca.

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