Corria o
ano de 1908 quando aconteceu a história que abaixo publicamos. Era vigário de
Alenquer o padre italiano Secundo Bruzzo, para o qual o autor da notícia pede o
apoio do rebanho alenquerense diante do fato ocorrido. A história revela não somente
as crendices populares do povo alenquerense como a reação que advém da Igreja
dita “oficial” para coibir desvios da doutrina da fé católica. Eis a história
publicada em 25 de outubro de 1908:
“Há no quarteirão Paraná-miry deste
município, um lugar onde nascera e vicejava uma frondosa caxipareira, em um
terreno próximo à beira do rio. Do tronco da bela árvore ergueu-se uma espécie
de raiz, muito grossa, com a forma da Virgem da Conceição, rodeada de anjinhos.
O temor e a crendice populares começaram a ver naquilo uma aparição divina da
Mãe de Deus, que por aquela forma se revelava aos fieis.
Correu a notícia e logo todos se dispuseram
a ir verificar o milagre, estabelecendo-se imediatamente um verdadeiro culto à
Nossa Senhora da Caxipara.
Mão piedosa de artista curioso desbastou a
figura preciosa de tudo quanto ela tinha de grosseiro, dando forma de melhor aparência
aos contornos da imagem que contava milhares de devotos e havia já operado
prodigiosos milagres. E de vários pontos da redondeza vinham os crédulos cumprir
promessas, aos pés da gloriosa santa, que estava cercada de todos os cuidados
da veneração.
Mas, acontece que anda atualmente às esmolas
pelo município com a imagem do padroeiro da paróquia (Santo Antônio), o revmo. Vigário
padre Bruzzo; e chegando ao Paraná-miry, foi à Caxipara ver a Virgem que lá
havia aparecido, a fim de entoar com o povo hinos à sua honra.
Deparando porém com a imagem, que lhe
pareceu um manipanso grelado da terra, como os cogumelos, sua revma. mandou meter
o machado na caxipareira, decepando-lhe a excrescência radicular milagreira que
trazia o povo de bola virada e desviado dos seus legítimos deveres religiosos,
enviando o tronco santificado para esta cidade (Alenquer) a fim de sofrer aqui,
no seu regresso, as torturas inquisitoriais da fogueira.
É extraordinário isto! Entretanto, se fosse
um profano o autor de tamanha heresia, havia logo o sr. Reverendo de subir ao
alto da sagrada tribuna, para verberar o ímpio sacrilégio de partir uma imagem
a machado. Sua revma., porém, é do ofício eclesiástico e dele entende demais,
para ter feito coisa que não esteja de acordo com o ritual católico,
apostólico, romano, e não mereça o apoio de todas as ovelhas do seu manso
rebanho”.
Muito obrigado, padre, pela descoberta e divulgação. Gostei do relato. Tem um enorme valor antropológico e histórico para quem quer entender a religião do povo amazônida, e como ela se desdobra para não desaparecer sob a ira da Igreja de Roma e, hoje, das formas atuais de pentecostalismo.
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