Apesar de incentivar o teatro
religioso, Dom Amando impunha severas criticas ao teatro de comédia popular. Um
fato interessante aconteceu em Alenquer, cidade que à época pertencia à
Prelazia de Santarém e registrado em suas “Memórias Inacabadas”. Eis o fato:
“Em 1909 fui a
Alenquer para assistir a festa de Santo Antônio. O Santo, que é padroeiro da
paróquia, é muito venerado. O povo também não fala de Santo Antônio de Pádua ou
de Santo Antônio e Lisboa; fala só de Santo Antônio de Alenquer.
As festas atraem
sempre alguns que querem fazer negócios e encher os seus bolsos. Em 1909 chegou
uma Companhia dramática que queria fazer as suas representações teatrais nos
dias da festa. Sem pedirem licença ao Bispo ou ao Vigário , eles ergueram uma
tenda ao lado da Igreja e mesmo encostada ao templo.
Talvez tivessem
algum receio que afinal o Vigário fizesse reclamação. Por este motivo mandaram
dizer ao Vigário que parte do lucro seria em benefício da Matriz: e assim
queriam fazer a primeira representação.
Espalharam os
boletins. Mas infelizmente estes boletins foram suficientes para eles perderem
todo o negócio. Os boletins falavam de exibições misteriosas, e tinham o
título: “O diabo na cidade”. Também a tenda ostentava esta inscrição. Já era
tarde quando chegaram às minhas mãos os boletins.
Algumas pessoas
já tinham comprado os bilhetes de entrada. Era necessário reagir, para que a
festa não se tornasse um escândalo. Sem dar outro aviso, fui à igreja durante a
novena na qual eu fazia sempre uma prática ao povo. Eu disse ao Sacristão que
colocasse uma mesa na plataforma de entrada da Igreja. A mesa haveria de servir
de púlpito.
Depois da novena
passei pela Igreja e disse ao povo:
- O sermão é
fora.
Subi na mesa e
disse que o ar livre era mais agradável que o ar abafado da igreja e que por
isto queria fazer o sermão na praça. Continuei:
- Mas o que é que
estou vendo? Aqui ao lado da Igreja, aos pés de Santo Antônio, uma choupana “O
diabo na cidade”? O povo não está mais
contente com Santo Antônio? – Não admito tal profanação. Ninguém entre neste
teatro, proíbo terminantemente este escândalo. Quereis uma representação? Pois
bem, vou fazer-vos uma representação, vou fazer a descrição do último juízo.
E fiz um sermão
sobre o último juízo com toda a energia de que podia dispor.
O efeito foi
extraordinário. Ninguém, ou quase ninguém, quis mais assistir ao Teatro. Até a
meia, o Revdo. Vigário e eu tivemos serviço de confessionário.
Mas a companhia
dramática não ficou contente e queria reagir. Fizeram reclamação ao Intendente.
Este dirigiu os empresários a mim.
Vieram. Perguntaram se eu tinha autoridade para agir assim. Respondi:
-Sim! E para mais
ainda. Se não ficarem calados, eu mando destruir já a tenda e levar a palha
para o rio.
Depois eu disse
ao povo que se ainda assim houvesse representação na tenda do Diabo..., eu
haveria de levar a imagem de Santo Antônio para Santarém, porque os
Alenquerenses não queriam mais respeitá-lo e venerá-lo.
Esta ameaça foi
uma bomba: a tenda do Diabo ficou fechada e o povo me pediu, por amor de Deus,
que não tirasse de Alenquer o Santo. Muitos até queriam agredir os empresários.
Não permiti excessos. Os empresários também emudeceram. Este acontecimento teve
repercussão em Óbidos e Santarém.
Nestes dois
lugares, para mim, teria sido mais difícil tomar uma atitude tão energética. Os
empresários foram depois á Óbidos por ocasião de uma festa religiosa. Mas com
cuidado escolheram um lugar mais afastado, de onde não podiam perturbar os atos
religiosos. Também escolheram outro título para a tenda que construíram”.
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