Em 1890, durante a visita do
Governador Justo Chermont à cidade de Óbidos, foi feito um discurso pelo
representante dos comerciantes de Óbidos, o senhor Francisco Augusto de Araújo
Vieira, agente consular português, que retratava a realidade não somente de
Óbidos, como da região, logo nos primeiros momentos da República. Eis o texto:
“CIDADÃO
GOVERNADOR.
Sinto-o bem; não
devem ter sido risonhas as vossas impressões ao visitar as povoações do
interior deste Estado, em boa hora confiado à vossa sábia governação. Fundo
esta suposição no meu conhecimento perfeito da região que percorreis. Onde o
regresso não é patente, observa-se apático estacionarismo, por mais que se
esmerilhe não se encontra base em que fundar esperanças do rápido progresso.
Rotina por toda parte, desânimo debaixo de todos os tetos!
A instrução,
comércio, indústria e agricultura estão ainda em embrião, e se desenvolvem à
guisa dos eretinicos [sic].
Tudo caminha,
quando caminha, lenta, preguiçosamente; as modificações são tão espaçadas e
ridículas, que passam despercebidas.
Compreendeis bem
que tudo isto é um mal e que não há motivo para, orgulhosos, pretendermos
colocar o Pará na primeira linha, quanto ao progresso.
Não é sincero o
patriotismo que disfarça a verdade e sim aquele que patenteia o mal, buscando
remédio para ele. Qual a causa determinando do atraso do Pará, onde os
elementos de prosperidade, de opulência são tão abundantes? Julgo provir, e
submeto minha opinião à vossa conscienciosa apreciação, de defeitos na
distribuição da fortuna do Estado.
É hábito
inveterado clamar-se contra a centralização, tanto administrativa quanto industrial
e comercial, mas, infelizmente, nada se consegue porque os apologistas de
descentralização, quando em condições de efetuá-la, dela se esquecem, presos
por uma ou outra conveniência.
Na nossa capital
grita-se por pretender o sul monopolizar os recursos da União, entretanto,
absorvem a quase totalidade dos dinheiros do Estado em benefício exclusivo de
Belém. É o egoísmo em ação!
A continuarmos do
mesmo modo, cidadão governador, não há possibilidade de progresso!
Cumpre, com
energia, definir perfeitamente as obrigações do Estado e as dos municípios,
empregando-se a renda daquele em proveito comum e as destes em melhoramentos
dos mesmos, conforme as posses de cada um.
É injustiça
mimosear com o que pertence à comunhão, um município ou uma cidade privilegiada.
Empregue-se os recursos do tesouro em navegações subvencionadas, em vias
férreas, em estradas de rodagem, caminhos vicinais, desenvolvimento de
indústrias, instrução pública, magistratura, etc., que são de interesse geral.
Com a aplicação
sistemática deste regime, os municípios lucrarão, subindo-lhes a importância e
os reditos, ficando assim habilitados a viver vida própria, sem auxílio direto
do centro.
Assim como os
indivíduos vivem de conformidade com os bens de sua fortuna, assim também devem
suprir-se os Estados Federados e os municípios. Quem tiver de seu para luxo,
compre-o, mas não exija que outro trabalhe para tal.
Se, durante as
administrações passadas, as somas empregadas no calçamento de Belém, em
canalizações de águas pluviais e materiais fecais, em teatro, em companhias
como a da pesca, em arborização, etc., fossem aplicadas em simples estradas de
rodagem que vencessem as cachoeiras do Trombetas, do Tapajós e do Tocantins,
outras seriam as condições das cidades que, acabais de visitar, e Belém, mais
rica, teria conseguido da mesma forma os melhoramentos que possui, tirando as
verbas necessárias do seu próprio orçamento.
Explicar-me mais
claramente, seria ofender a vossa pronta compreensão, já sabeis que atribuo o
definhamento das povoações ao defeito de empregar-se dinheiro do Estado em
serviços de isolado interesse municipal.
Os comerciantes
desta cidade, felicitando-vos com entusiasmo, pelo modo honroso e brilhante com
que tendes dirigido os negócios do Estado, estendendo suas felicitações a toda
a região baixo-amazonense, por ter como chefe um homem da vossa estatura moral,
vê em vossa presença, neste torrão, promessa lisonjeira para a agricultura,
indústrias e comércio desta cidade.
O que vos pedimos
está de acordo com as ideias expendidas e é, resumindo: uma linha de navegação
regular, deste porto até a primeira cachoeira do Trombetas, tocando nos lagos e
pontos onde houver movimento; uma estrada de rodagem, a não ser possível via
férrea, que vença as cachoeiras do mesmo Trombetas; tornar extensivo a esta
região, o auxílio que o governo tenciona facultar à lavoura e à indústria
pastoril, ambas seriamente comprometidas pela crise financeira e escassez de
gêneros e agora ainda mais, em vista da grande enchente do Amazonas; conseguir
que os vapores da Companhia Brasileira de Navegação a Vapor tornem a fazer
escala por este porto, o que é facílimo para a companhia, como já vistes, e
para nós de grande alcance, pois poderemos importar diretamente mercadorias,
libertando-nos de comissões a mais e dos fretes excessivos que exige a
Companhia do Amazonas Limitada e as mais companhias com navegação no Amazonas.
São estes os
desejos dos comerciantes desta cidade; e que proveitos não emanarão para todos,
da realização de tais medidas?
Prosperando a
agricultura e a indústria, tanto extrativista como pastoril, florescerá o
comércio e advirão vantagens para todos.
Cinco anos
depois, se a boa sorte nos permitir ver-vos outra vez entre nós, a Óbidos de
hoje outra vos parecerá.
A bem da pátria,
cidadão governador, pedimos esses serviços.
Grande é a nossa
confiança em vossas luzes e patriotismo e por isso acreditamos que envidareis
esforços para atender-nos. Sois moço, cheio de virtude e de força para a luta,
calcai aos pés as pequenas conveniências, desprezai os ladradores e tratai de
visar única e simplesmente o que é grande e sublime: o futuro de nossa pátria.
Os comerciantes
desta cidade cheios de entusiasmo, descobertos vos saúdam, exclamando: viva o
cidadão Governador!
A comissão.
F. A. Araújo
Vieira (relator),
Antônio Pereira
de Souza Vieira”.
Pe. Sidney, pelo que tem de premonição, este discurso visionário, com ligeiras modificações, serviria para hoje, inclusive quanto à descentralização tão sonhada pelos povos do Baixo Amazonas. Grande abraço.
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