quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Um discurso para o Governador em Óbidos – 1890

Em 1890, durante a visita do Governador Justo Chermont à cidade de Óbidos, foi feito um discurso pelo representante dos comerciantes de Óbidos, o senhor Francisco Augusto de Araújo Vieira, agente consular português, que retratava a realidade não somente de Óbidos, como da região, logo nos primeiros momentos da República. Eis o texto:


CIDADÃO GOVERNADOR.
Sinto-o bem; não devem ter sido risonhas as vossas impressões ao visitar as povoações do interior deste Estado, em boa hora confiado à vossa sábia governação. Fundo esta suposição no meu conhecimento perfeito da região que percorreis. Onde o regresso não é patente, observa-se apático estacionarismo, por mais que se esmerilhe não se encontra base em que fundar esperanças do rápido progresso. Rotina por toda parte, desânimo debaixo de todos os tetos!
A instrução, comércio, indústria e agricultura estão ainda em embrião, e se desenvolvem à guisa dos eretinicos [sic].
Tudo caminha, quando caminha, lenta, preguiçosamente; as modificações são tão espaçadas e ridículas, que passam despercebidas.
Compreendeis bem que tudo isto é um mal e que não há motivo para, orgulhosos, pretendermos colocar o Pará na primeira linha, quanto ao progresso.
Não é sincero o patriotismo que disfarça a verdade e sim aquele que patenteia o mal, buscando remédio para ele. Qual a causa determinando do atraso do Pará, onde os elementos de prosperidade, de opulência são tão abundantes? Julgo provir, e submeto minha opinião à vossa conscienciosa apreciação, de defeitos na distribuição da fortuna do Estado.
É hábito inveterado clamar-se contra a centralização, tanto administrativa quanto industrial e comercial, mas, infelizmente, nada se consegue porque os apologistas de descentralização, quando em condições de efetuá-la, dela se esquecem, presos por uma ou outra conveniência.
Na nossa capital grita-se por pretender o sul monopolizar os recursos da União, entretanto, absorvem a quase totalidade dos dinheiros do Estado em benefício exclusivo de Belém. É o egoísmo em ação!
A continuarmos do mesmo modo, cidadão governador, não há possibilidade de progresso!
Cumpre, com energia, definir perfeitamente as obrigações do Estado e as dos municípios, empregando-se a renda daquele em proveito comum e as destes em melhoramentos dos mesmos, conforme as posses de cada um.
É injustiça mimosear com o que pertence à comunhão, um município ou uma cidade privilegiada. Empregue-se os recursos do tesouro em navegações subvencionadas, em vias férreas, em estradas de rodagem, caminhos vicinais, desenvolvimento de indústrias, instrução pública, magistratura, etc., que são de interesse geral.
Com a aplicação sistemática deste regime, os municípios lucrarão, subindo-lhes a importância e os reditos, ficando assim habilitados a viver vida própria, sem auxílio direto do centro.
Assim como os indivíduos vivem de conformidade com os bens de sua fortuna, assim também devem suprir-se os Estados Federados e os municípios. Quem tiver de seu para luxo, compre-o, mas não exija que outro trabalhe para tal.
Se, durante as administrações passadas, as somas empregadas no calçamento de Belém, em canalizações de águas pluviais e materiais fecais, em teatro, em companhias como a da pesca, em arborização, etc., fossem aplicadas em simples estradas de rodagem que vencessem as cachoeiras do Trombetas, do Tapajós e do Tocantins, outras seriam as condições das cidades que, acabais de visitar, e Belém, mais rica, teria conseguido da mesma forma os melhoramentos que possui, tirando as verbas necessárias do seu próprio orçamento.
Explicar-me mais claramente, seria ofender a vossa pronta compreensão, já sabeis que atribuo o definhamento das povoações ao defeito de empregar-se dinheiro do Estado em serviços de isolado interesse municipal.
Os comerciantes desta cidade, felicitando-vos com entusiasmo, pelo modo honroso e brilhante com que tendes dirigido os negócios do Estado, estendendo suas felicitações a toda a região baixo-amazonense, por ter como chefe um homem da vossa estatura moral, vê em vossa presença, neste torrão, promessa lisonjeira para a agricultura, indústrias e comércio desta cidade.
O que vos pedimos está de acordo com as ideias expendidas e é, resumindo: uma linha de navegação regular, deste porto até a primeira cachoeira do Trombetas, tocando nos lagos e pontos onde houver movimento; uma estrada de rodagem, a não ser possível via férrea, que vença as cachoeiras do mesmo Trombetas; tornar extensivo a esta região, o auxílio que o governo tenciona facultar à lavoura e à indústria pastoril, ambas seriamente comprometidas pela crise financeira e escassez de gêneros e agora ainda mais, em vista da grande enchente do Amazonas; conseguir que os vapores da Companhia Brasileira de Navegação a Vapor tornem a fazer escala por este porto, o que é facílimo para a companhia, como já vistes, e para nós de grande alcance, pois poderemos importar diretamente mercadorias, libertando-nos de comissões a mais e dos fretes excessivos que exige a Companhia do Amazonas Limitada e as mais companhias com navegação no Amazonas.
São estes os desejos dos comerciantes desta cidade; e que proveitos não emanarão para todos, da realização de tais medidas?
Prosperando a agricultura e a indústria, tanto extrativista como pastoril, florescerá o comércio e advirão vantagens para todos.
Cinco anos depois, se a boa sorte nos permitir ver-vos outra vez entre nós, a Óbidos de hoje outra vos parecerá.
A bem da pátria, cidadão governador, pedimos esses serviços.
Grande é a nossa confiança em vossas luzes e patriotismo e por isso acreditamos que envidareis esforços para atender-nos. Sois moço, cheio de virtude e de força para a luta, calcai aos pés as pequenas conveniências, desprezai os ladradores e tratai de visar única e simplesmente o que é grande e sublime: o futuro de nossa pátria.
Os comerciantes desta cidade cheios de entusiasmo, descobertos vos saúdam, exclamando: viva o cidadão Governador!
A comissão.
F. A. Araújo Vieira (relator),

Antônio Pereira de Souza Vieira.

Um comentário:

  1. Pe. Sidney, pelo que tem de premonição, este discurso visionário, com ligeiras modificações, serviria para hoje, inclusive quanto à descentralização tão sonhada pelos povos do Baixo Amazonas. Grande abraço.

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