quinta-feira, 8 de março de 2018

Agressões às mulheres em Santarém no ano de 1929


Quem, com algum interesse, estiver acompanhando o registro dos fatos criminais verificados em nossa Comarca, há de, por força, notar quão assustador é o computo de ofensas ao pudor que, de certo tempo a esta parte, em menos de um ano talvez, transitam ou tem transitado pelo nosso foro.
Absurdo embora pareça, o que é fato é que depois que o ilustre magistrado da vara de Direito, ao assumir o cargo, iniciou forte e decidida campanha em favor das indefesas vítimas dos “caçadores de honra”, proliferou sensivelmente o número dos defloradores como que num desafio à justiça e menosprezo à sua proficiente ação.
Rara é a semana que na Prefeitura de Polícia não se constata a queixa de um caso de ofensa ao pudor, tomando o fato um vulto que está reclamento séria repressão.

A quem cabe a culpa desse desmoronamento que vem sacrificando dezenas de infelizes, a maioria das quais outro dote não possuem, senão a preciosa virtude?
Se há pais que são responsáveis pelo desastre das filhas, tal a liberdade que lhes concedem e tal a educação que lhes permitem, não há negar que os costumes atuais muito vem concorrendo para esse descalabro social.
O cinema com as suas cenas ardentemente amorosas e os seus beijos escandalosamente artísticos; as danças hodiernas com os seus requebros e apertadelas imorais e exóticas figuras dignas só do bas-fond; a moda leviana do decote a livre arbítrio e saia pouco abaixo dos joelhos; todo esse modernismo que nos vem importado do estrangeiro, graças a nossa mania de tudo macaquear, é, senão a causa, pelo menos um dos fatores que mais hão contribuído para o registro de casos sem conto de deflorações.
Verdade é que os “caçadores de honra”, melífluos, maneirosos, ressudando meiguice e arrotando afeição que nunca poderiam conceber, são habilidosíssimos em armar o bote para apanhar a incauta presa, seduzindo-a com escorreitas frases e vantajosas promessas, dentre as quais avulta a do casamento. Ora, frágil, afetiva por índole, impregnada de boa fé, deixa-se a pobre embalar pela sedutora cantiga e entrega-se ao malfeitor, sem refletir, quiçá, na desgraça que só mais tarde virá a avaliar.
A lei ampara a pobre vítima da concupiscência e o casamento é, em geral, o remédio para o mal, mas um remédio que nem sempre evita outro mal: o abandono da mulher pelo marido. Neste caso, duas são as vítimas: marido e mulher, que ficam desse modo privados de constituir nova família. A mulher, entretanto, é a maior vítima, porque vê a porta aberta para o prostíbulo...
  Impedidos, pela lei civil, de contrair novas núpcias, muitos desses casados – não casados, se valem do casamento canônico para a construção do lar que aspiram, mas do qual não são dignos. Este é um assunto que merece ser meditado e do qual nos ocuparemos oportunamente.
Ninguém veja, em nossos comentários, o desejo de ditar novas leis, nem corrigir as leis existentes sobre o caso; leigo na matéria, externamos a nossa modesta opinião com o louvável intuito de pugnar pelos interesses da sociedade.
Pensamos que o casamento, com ser uma medida boa, ajustada ao caso, não é de tal forma evitar um mal para corrigir outro. Necessário seria que os nossos legisladores aventassem medicina mais energética e segura a fim de que fosse impedida a marcha vertiginosa desse destroçar de honras que é, não há dúvida, o sintoma característico da degradação de costumes que se implanta semcerimoniosamente a despeito da campanha dos cérebros pensantes.
Todavia, enquanto os fazedores de leis não curam do assunto, procuremos, nós mesmos, os chefes de família, defender-nos sem rebuços, criando uma profilaxia rigorosa que impeça o caminhar insano dessa endemia social de perigosas consequências.

NOTA: Publicado no jornal A Cidade de 12 de janeiro de 1929. O autor do texto é Felisbelo Jaguar Sussuarana, usando o pseudônimo de Flavius.


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