Quem, com algum
interesse, estiver acompanhando o registro dos fatos criminais verificados em
nossa Comarca, há de, por força, notar quão assustador é o computo de ofensas
ao pudor que, de certo tempo a esta parte, em menos de um ano talvez, transitam
ou tem transitado pelo nosso foro.
Absurdo embora
pareça, o que é fato é que depois que o ilustre magistrado da vara de Direito,
ao assumir o cargo, iniciou forte e decidida campanha em favor das indefesas
vítimas dos “caçadores de honra”, proliferou sensivelmente o número dos
defloradores como que num desafio à justiça e menosprezo à sua proficiente
ação.
Rara é a semana
que na Prefeitura de Polícia não se constata a queixa de um caso de ofensa ao
pudor, tomando o fato um vulto que está reclamento séria repressão.
A quem cabe a
culpa desse desmoronamento que vem sacrificando dezenas de infelizes, a maioria
das quais outro dote não possuem, senão a preciosa virtude?
Se há pais que
são responsáveis pelo desastre das filhas, tal a liberdade que lhes concedem e
tal a educação que lhes permitem, não há negar que os costumes atuais muito vem
concorrendo para esse descalabro social.
O cinema com as
suas cenas ardentemente amorosas e os seus beijos escandalosamente artísticos;
as danças hodiernas com os seus requebros e apertadelas imorais e exóticas
figuras dignas só do bas-fond; a moda leviana do decote a
livre arbítrio e saia pouco abaixo dos joelhos; todo esse modernismo que nos
vem importado do estrangeiro, graças a nossa mania de tudo macaquear, é, senão
a causa, pelo menos um dos fatores que mais hão contribuído para o registro de
casos sem conto de deflorações.
Verdade é que os
“caçadores de honra”, melífluos, maneirosos, ressudando meiguice e arrotando afeição
que nunca poderiam conceber, são habilidosíssimos em armar o bote para apanhar
a incauta presa, seduzindo-a com escorreitas frases e vantajosas promessas,
dentre as quais avulta a do casamento. Ora, frágil, afetiva por índole,
impregnada de boa fé, deixa-se a pobre embalar pela sedutora cantiga e
entrega-se ao malfeitor, sem refletir, quiçá, na desgraça que só mais tarde virá
a avaliar.
A lei ampara a
pobre vítima da concupiscência e o casamento é, em geral, o remédio para o mal,
mas um remédio que nem sempre evita outro mal: o abandono da mulher pelo
marido. Neste caso, duas são as vítimas: marido e mulher, que ficam desse modo
privados de constituir nova família. A mulher, entretanto, é a maior vítima,
porque vê a porta aberta para o prostíbulo...
Impedidos,
pela lei civil, de contrair novas núpcias, muitos desses casados – não casados,
se valem do casamento canônico para a construção do lar que aspiram, mas do
qual não são dignos. Este é um assunto que merece ser meditado e do qual nos
ocuparemos oportunamente.
Ninguém veja, em
nossos comentários, o desejo de ditar novas leis, nem corrigir as leis
existentes sobre o caso; leigo na matéria, externamos a nossa modesta opinião
com o louvável intuito de pugnar pelos interesses da sociedade.
Pensamos que o
casamento, com ser uma medida boa, ajustada ao caso, não é de tal forma evitar
um mal para corrigir outro. Necessário seria que os nossos legisladores
aventassem medicina mais energética e segura a fim de que fosse impedida a
marcha vertiginosa desse destroçar de honras que é, não há dúvida, o sintoma
característico da degradação de costumes que se implanta semcerimoniosamente a
despeito da campanha dos cérebros pensantes.
Todavia,
enquanto os fazedores de leis não curam do assunto, procuremos, nós mesmos, os
chefes de família, defender-nos sem rebuços, criando uma profilaxia rigorosa
que impeça o caminhar insano dessa endemia social de perigosas consequências.
NOTA: Publicado
no jornal A Cidade de 12 de janeiro de 1929. O autor do texto é Felisbelo
Jaguar Sussuarana, usando o pseudônimo de Flavius.
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