Por Pe. Sidney Augusto Canto
01. E o início foi assim...
Em 17 de
fevereiro de 1925, o empresário norte americano Henry Ford expressa
publicamente o seu desejo de cultivar a borracha natural, a exemplo do que já
vinha acontecendo na Ásia, em plantações mantidas pelo monopólio dos ingleses,
desde o século XIX. A ideia original do milionário parecia ser adquirir um
terreno na Flórida. Por conta disso, no dia 25 de fevereiro, o agente consular
brasileiro nos Estados Unidos, José Alves de Lima, propõe ao governador do
Estado do Pará, Dionísio Bentes: “oferecer
gratuitamente, a maior soma possível de terras públicas, com a condição
expressa dele (Henry Ford) cultivar a nossa hevea nas mesmas”. Dionísio
Bentes abraçou a proposta, dando início a cadeia de eventos que levaria à
epopeia de Ford na Amazônia. O contrato da concessão, entretanto, só seria
assinado a 21 de julho de 1927, dando direito à exploração de terras públicas
por Henry Ford, na Amazônia.
02. As primeiras contendas sobre a Concessão...
Antes mesmo de
começar a existir, Fordlândia teve muitos adversários que, sob a bandeira de
defesa do patrimônio nacional, eram contrários à ideia da Concessão de Terras
Públicas do Pará à Empresa Ford. Um desses opositores era o senador paraense Antônio
Emiliano de Sousa Castro. O debate sobre a concessão teve, como um dos mais
vorazes defensores, o advogado dr. Samuel Mac-Dowell, que tinha como principal
cliente, na época, a “Pará Plantations Limited”.
03. Fordfilia e Fordmania...
O exemplo
prático da primeira era o que os jornais, ainda no ano de 1927, falavam sobre a
vinda de Ford para a Amazônia: “Ford é nosso amigo! Ele vai trazer dinheiro
para esta terra! A vida vai melhorar! Teremos acesso ao luxo, o bom e o melhor!
O progresso finalmente chegará ao Tapajós!”. Exemplo curioso da segunda
vai para o Alfaiate Magno Rodrigues que, em Santarém, colocou um novo nome ao
seu empreendimento: ATELIER DE ALFAIATARIA FORD (a propósito, Magno tinha como
concorrente outro alfaiate famoso destas terras: maestro José Agostinho).
Outras ideias haviam, como o COCKTAILL À FORD: uma mistura de açaí com whisky,
cujo sabor nunca experimentamos e, pelo que sabemos, jamais foi vendido no
início da história de Fordlândia, por conta da “Lei Seca”.
04. O início dos trabalhos em Boa Vista...
Os primeiros
chefes da Companhia Ford que vieram para trabalhar na construção de Fordlândia,
chegaram a Santarém no dia 21 de março de 1928 e logo em seguida seguiram para
Boa Vista, a fim de ver o melhor lugar para construir uma ponte de desembarque
para os navios que Henry Ford pretendia mandar, carregados de material para a
construção de Fordlândia. No dia 04 de maio de 1928 era derrubada a primeira
árvore e aberta a primeira clareira na mata para a construção de Fordlândia,
dando início a uma das maiores derrubadas e grandes queimadas já vistas até
então.
05. Os humores que mudavam em Santarém e região...
Em Santarém, a
princípio, houve uma profunda defesa em prol da Concessão Ford. O jornalista
Felisbelo Jaguar Sussuarana era um dos seus mais fiéis defensores, nas colunas
do seu jornal: A Cidade. Entretanto, posteriormente, pelas colunas do mesmo
jornal, podemos ver o relato das primeiras revoltas e fracassos acontecidos em
Boa Vista, além da denúncia dos “males sociais” advindos até Santarém, com a
chegada da Companhia Ford.
06. A chegada dos navios norte-americanos...
O primeiro
embarque de material para a construção de Fordlândia saiu de Detroit em julho
de 1928. No dia 16 de setembro desse mesmo ano, chegam a Santarém os navios “Lake
Ormoc”, trazendo a reboque o “Lake Farge”. Entretanto, por conta da vazante dos
rios amazônicos, somente no dia 06 de dezembro, deixariam o porto santareno
para subir o rio Tapajós. Um erro de logística que retardaria o início dos
trabalhos para o castigador inverno amazônico.
07. Nem tudo eram flores no jardim de Ford...
Santarém se viu
alarmada com a chegada da Companhia Ford. Já a 06 de outubro de 1928, o jornal
A Cidade, no seu editorial mostrava a preocupação pela chegada de enorme
quantidade de pessoas que abarrotavam a então pequena cidade. Apesar de virem
pessoas boas, vieram também algumas consideradas “indesejáveis”. Aumentaram-se
os alugueis, alguns em até 100 ou 200%. Galinhas sumiam dos galinheiros,
pequenos furtos eram registrados e a cidade, que antes possuía 7.000 habitantes
e apenas um delegado e cinco policiais se viu em polvorosa situação de
insegurança.
08. Os primeiros conflitos trabalhistas...
Ainda na fase de
derrubada e queimada das matas para a instalação de Fordlândia, quando a vida
na novel Concessão Ford nem bem havia começado, foi registrada a primeira
revolta de trabalhadores. No dia 20 de novembro de 1928, chega a Santarém a
notícia da primeira sublevação trabalhista em Boa Vista. Os salários diminutos
e a péssima alimentação foram os motivos para que muitos trabalhadores
abandonassem os trabalhos e volvessem para Itaituba, Aveiro e, principalmente,
Santarém, onde foram recebidos pelos cinco policiais da cidade, armados em
posição de linha, junto à praia de desembarque. Foi chefe deste movimento de
revolta o brasileiro (natural do Rio Grande do Norte) Sebastião Rozendo da
Silva, que havia chegado a Boa Vista no dia 06 de novembro e, em meros 10 dias
conseguiu arregimentar levantar o protesto dos trabalhadores contra os
dirigentes da Companhia.
09. A vontade de resolver os problemas...
Por conta de
diversas críticas advindas principalmente por conta da situação dos trabalhos
em Boa Vista, Henry Ford manda um de seus funcionários, W. C. Cowling fazer uma
inspeção nas obras da Companhia Ford nas margens do rio Tapajós. Satisfeito com
o que viu, a 15 de setembro de 1929, ele declara: “com relação a algumas críticas que foram publicadas na imprensa por
diversas vezes, e em confronto com o se viu, a maior parte delas proveio do
desconhecimento dos planos da Companhia”. Até então, os trabalhadores
moravam em casas de palha e comiam em um barracão precário. Foi a partir desta
visita que se começou a planejar a construção de moradias e prédios mais dignos
para os empregados da Companhia.
10. O quebra-panelas de Cauassú-ê-pá...
No dia 29 de
março de 1930 um grupo de trabalhadores de Fordlândia invadiu o restaurante de
propriedade do senhor Dário Rodrigues e Silva e praticaram uma grande
depredação naquele estabelecimento, localizado na comunidade de Cauassú-ê-pá.
Na ocasião, os trabalhadores de Boa Vista amotinados, feriram gravemente ao
empregado do restaurante, Luiz Pereira e o dono do terreno onde se localizava o
mesmo refeitório, o sr. Firmino Meireles. O quebra-panelas (e também de
cabeças) acontecido em Cauassú-ê-pá pode ter servido de inspiração para o outro
quebra-panelas, desta vez no refeitório da Companhia Ford, em Boa Vista, que
aconteceu a 22 de dezembro de 1930, e que ficou mais famoso. De fato, Henry
Ford amargava desgostos com a Companhia e começou a pensar se não seria hora de
entregar tudo de volta ao Governo Brasileiro. Mas tanto Getúlio Vargas, como
Magalhães Barata pensavam diferente. E a história continua...
Fontes: Acervo
pessoal do autor, acervo ICBS e acervo da Biblioteca Nacional.
Sinto uma grande satisfação em saber da história porém, me vem uma tristeza ao saber que, quando o registro fotográfico foi feito, minha avó paterna morava nesse lugar e era, ainda, criança.
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