segunda-feira, 5 de março de 2018

Sobre um hospital para Santarém – 1921


No tempo em que o “ouro negro” era a pivot em torno do qual girava a prosperidade da hoje malfadada região amazônica, Santarém, prezando o seu progresso, teve também alguns surtos de iniciativa.
Ainda se conserva na retentiva de todos a maneira porque se amparou a alevantada e grandiosa ideia da fundação de um hospital, cuja urgência, dados os nossos foros de terra movimentada, foi compreendida por quantos dela tiveram ciência. Todos sabem que, para a execução desse empreendimento, para logo se associaram as pessoas mais gradas da cidade. E era mesmo de crer na viabilidade do vultoso tentame, pois a tanto nos levava o primeiro passo dado para a construção do prédio do hospital.

Com o júbilo de todos os que se interessavam pelo engrandecimento desta nesga da terra paraense, levantaram-se as primeiras paredes do edifício; com alegria, todos viam progredir diariamente a obra iniciada. Mas (o “mas” é inimigo do progresso) por uma dessas fatalidades que torcem os destinos dos povos, os nossos sonhos dourados deliram-se, evaporam-se como a fumaça que um sopro impeliu...
Morreu a ideia do hospital, não obstante o adiantamento das obras, para o que já se havia dispendido não pequena soma. Nunca mais se pensou nesse empreendimento de grande vulto; da bela iniciativa nada mais sobeja a não ser a maguada lembrança duma bonançosa nuvem que se esvaiu...
Apenas, e como a atestar o novo descaso pelos tentames de maior relevo ou a nossa falta de persistência nas iniciativas de grande monta, lá está de pé, corroído, esverdinhado de limo, o esqueleto daquilo que deverá ser o nosso hospital.
Causa dó vermos largadas às intempéries aquelas paredes com esforço másculo erigidas; entristece presenciarmos o arruinamento duma importante obra que se iniciou com tanto sacrifício.
Quando a epidemia da gripe invadiu a nossa terra apavorando a indefesa população, todas as atenções se volveram para um único ponto: o hospital. Todos compreenderam a necessidade, a urgência de um edifício para o recolhimento de doentes. Ah! Se tivéssemos o nosso hospital!...
Mas passou a pandemia e nunca mais e ninguém acordou a lembrança da utilidade desta instituição humanitária.
Só da nossa imaginação jamais se apagou a ideia de Santarém ser dotada de um empreendimento digno de seu progresso. E aqui estamos lançando nova semente em terreno inculto, embora, mas que pode um dia tornar-se apto para receber o pequeno contingente do semeador.
Venham em nosso auxílio aqueles que sabem querer; venham com fé e, unidos, propaguemos a sementeira.
Quem sabe se, em tempo não muito longínquo, ela florirá gloriosa?

NOTA: Publicado no jornal A Cidade de 20 de agosto de 1921


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