terça-feira, 13 de março de 2018

Um bilhete aos vereadores de Santarém – 1951


Dorme no esquecimento da terra mocoronga o nome de um homem que muito fez pela mocidade que aqui vive e aqui trabalha, deixando para comprovar sua grande dedicação, jovens musicistas que, pelo seu grande desenvolvimento, bem dizem da competência que possuía aquele que, em vida, chamou-se José Agostinho da Fonseca.
Homem de uma modéstia fora de comum, o professor José Agostinho muito trabalhou pelo desenvolvimento da arte musical em nossa cidade, às vezes lecionando gratuitamente, dispondo para isso até das horas que lhe sobravam para repousar, não esmorecendo ante os tropeços que se lhe eram apresentados pelos que não olham com amor a terra que lhes dá hospedagem.

Natural do Estado do Amazonas, depois de aqui chegar, registrou-se paraense, numa demonstração do quanto seu coração ficou embebido pela terra dos índios Tapajós. E quando alguém dizia que o velho mestre era filho de Manaus, revoltava-se, constrangendo-se até. Não queria deserdar o nome da terra que escolheu por berço mater. Queria ser santareno, pois aqui viu e sentiu a sua Musa surgir das belas noites de luar, quando ele muito cantou o nome de Santarém. Cantou como nenhum outro musicista soube cantar. Cantou porque achou que a “Pérola do Tapajós” merecia que assim o fizesse. Cantou porque aqui viu surgir, do ventre de sua amada companheira, o primeiro, o segundo, o terceiro, o quarto e o quinto rebento, que lhe inspiravam as notas que compunham as suas canções em homenagem às nossas praias, às nossas matas, às nossas águas, numa comunhão com o sentimento da hospitaleira gente da “Rainha do Baixo Amazonas”.
José Agostinho da Fonseca era amazonense de nascimento, mas santareno de coração. Por isso jamais trocou nossas coisas, nossas ideias, pelas coisas ou pelas ideias do povo amazonense, o seu coração de artista sempre soube distinguir a beleza de nossa terra e o sentir da cabocla mocoronga, que com a quentura de seios morenos, cativou o criador de “Criminosa”.
As nossas ruas e travessas estão lastradas de nomes de homens que jamais fizeram alguma coisa por Santarém, e que, por isso mesmo, foram imerecidamente homenageados. No entanto, o nobre compositor de “Se a moda pega”, fez demais por este cobiçado torrão e até agora (não sabemos porquê) não lhe foi prestada a menor homenagem. Ele merece. Prestemos-lhe a nossa sincera gratidão.

BILHETE:
Senhores Vereadores da Câmara Municipal de Santarém:
É dever de todos vós, votar uma Lei denominando Professor José Agostinho, uma de nossas ruas ou travessas, ato esse que não será unicamente uma homenagem, mas também mais uma dívida que Santarém vai saldar com um artista que, com sua música maviosa, elevou bem alto o seu nome cultural, na parte a que se refere à arte de Chopin.
Senhores Vereadores, apelo para o vosso sentimento de civismo e amor à terra comum, em agradecimento àquele saudoso mestre, dando à memória de seu “Zé Agostinho” (assim era tratado na intimidade) o tributo que merece, pois ele deixou um documento que lhe dá credenciais para isso, amando nossa terra mais do que muito santareno, como prova uma canção onde ele termina cantando: “Benditas praias desta terra, meu corpo em vida, ou morte, será teu...”.
Aqui fica, pois, meu apelo.
EDMIR SUSSUARANA.


NOTA: Publicado no Jornal de Santarém de 07 de julho de 1951.


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